Apesar da pandemia de Covid-19, que causou impactos econômicos e sociais no país e no mundo, o Brasil apresentou melhora em índices de pobreza na infância. No entanto, viu dobrar a taxa de analfabetismo em crianças. Os dados são do relatório Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência no Brasil, divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). • Clique aqui e receba as notícias do R7 no seu Whatsapp • Compartilhe esta notícia pelo WhatsApp • Compartilhe esta notícia pelo Telegram Para medir a pobreza multidimensional, a Unicef avalia o acesso de crianças e adolescentes a seis direitos básicos: renda, educação, informação, água, saneamento e moradia. Foram contabilizadas situações de privação intermediária, ou seja, quando há dificuldades de exercer os direitos; e extrema, quando não há o acesso. O relatório se baseia na Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). “A gente parte do princípio que os direitos das crianças são prioritários e todos são igualmente importantes”, explica Santiago Varella, especialista em políticas sociais do Unicef. A pesquisa mostra que o Brasil conseguiu reduzir o percentual de pessoas até 17 anos de idade com alguma privação. Em 2016, a proporção era de 66,1%. Em 2019, último ano antes da pandemia, era 62,9%. Em 2022, a taxa ficou em 60,3%. Esse percentual representa 31,9 milhões de crianças e adolescentes de um total de 52,8 milhões no país. “Uma tendência de queda que a gente acha muito lenta ainda”, avalia Varella. “Olhar a pobreza multidimensional tendo a perspectiva temporal de 2022 é muito relevante porque a gente começa a entender o que está significando para a vida das crianças e dos adolescentes a recuperação do período pós-pandemia”, diz. Os números apresentados pela Unicef apontam um padrão de disparidades regionais e raciais. Em 2022, o Norte e o Nordeste figuravam como donos dos piores índices de crianças e adolescentes com alguma privação. Na outra ponta, o Sul e o Sudeste apareciam com os melhores índices. Destaque para São Paulo, o melhor do país, com 35,7%. Fora dessas duas regiões, o Distrito Federal apresentava bom resultado, com a segunda melhor taxa do país, 37,6%. Ao se observar a pobreza multidimensional pelo prisma da cor da população, 48,2% dos brancos apresentava alguma privação, enquanto no grupo dos negros o índice era de 68,8%. Essa diferença de 20,6 pontos percentuais (p.p) era de 22,1 p.p em 2019. “Essa diferença é uma questão persistente e com uma tendência de diminuição lenta”, lamenta Varella. O panorama de jovens de 4 a 17 anos com acesso à escola na idade correta segue, desde 2016, uma trajetória crescente. Em 2022, 93,8% deles estavam na série adequada, 3,4% tinham uma privação intermediária, e 2,9%, privação extrema. De acordo com o relatório, os dados da privação relativa a estar na escola na idade certa podem ser resultado da aprovação automática na pandemia. Para a Unicef, isso demanda “abordagens mais cautelosas e contextualizadas ao interpretar dados educacionais em tempos de crise”. Já em relação à alfabetização, o estudo da Unicef acende um sinal de alerta. Há uma grande piora no analfabetismo. A proporção de crianças de 7 anos que não sabem ler nem escrever saltou de 20% para 40% de 2019 para 2022. Situação similar à de crianças de 8 anos. De uma taxa de 8,5%, em 2019, houve elevação para 20,8%, em 2022. Para as crianças de 9 anos, a proporção cresceu de 4,4% para 9,5%, de 2019 para 2022. Santiago Varella liga esses dados diretamente ao fechamento das escolas durante a pandemia. “Essas crianças estavam no processo mais sensível, talvez, da vida educacional, que é a alfabetização. Essa piora reflete a dificuldade e o caráter lento que a recuperação do direito à aprendizagem demanda”, avalia. “É preciso um esforço concentrado para que esse passivo da pandemia não se prolongue.” Novamente, a discrepância entre negros e brancos se mostra presente. O percentual de crianças brancas de 7 a 10 anos consideradas analfabetas era de 6,3% em 2019 e de 15,1% em 2022. Já entre as negras, era de 10,6% e 21,8%, respectivamente. Outro indicador que apresentou piora foi o provimento da alimentação para as crianças e adolescentes. Em 2019, 19% desse grupo tinha renda familiar abaixo do necessário para uma alimentação apropriada. Em 2022, o índice estava em 20%. De acordo com o estudo, esse fenômeno foi atribuído “principalmente ao aumento acentuado no preço dos alimentos, demonstrando que a inflação nessa área afetou mais severamente as famílias em situação de vulnerabilidade”. Ainda sobre renda, a Unicef fez uma análise sobre o número de crianças e adolescentes vivendo abaixo de um nível mínimo de recursos para satisfazer suas necessidades. Esse patamar é de R$ 541 mensais por pessoa em áreas urbanas e de R$ 386 em áreas rurais — valores referentes a 2022. Em 2019, essa privação afetava cerca de 40% das pessoas de até 17 anos. Em 2022, caiu para 36%, “em parte por conta das políticas de auxílio emergencial”. Varella aponta um otimismo para os anos seguintes a 2022. “Para depois de 2022, a gente vê ainda outras melhoras, como ampliação das políticas de transferência de renda, sobretudo o Bolsa Família com foco na primeira infância.” Em relação à moradia, a Unicef identificou que o percentual de crianças e adolescentes com algum tipo de privação diminuiu de 10,9% para 9,4% entre 2019 e 2022. As privações são o excesso de moradores no lar e as condições inadequadas da construção. Em relação ao saneamento básico, 37% das pessoas de até 17 anos não tinham garantido o acesso adequado a banheiros e rede de esgoto — isso representa 17,5 milhões de crianças e adolescentes submetidos a condições, por exemplo, com fossas no lugar de banheiros. O saneamento é a previsão que mais afeta essa população. Além disso, 5,4% não tinham água potável. Um direito que apresentou melhora significativa foi o acesso à informação. Dos jovens de 9 a 17 anos, 6,1% tinham alguma privação de contato com internet e televisão. Em 2019, eram 14%. O especialista da Unicef elogiou o Plano Plurianual (PPA) enviado pelo governo ao Congresso, no fim de agosto. Para Santiago, o PPA aponta uma priorização relevante das crianças no conjunto das políticas públicas. “Isso é muito relevante”, avalia Varella. VEJA: Enem: inteligência artificial e desafios do SUS podem ser tema da redação deste ano