Um projeto de lei que sugere que marcas e publicações de todo o tipo sejam obrigadas a avisar a leitores e clientes sobre uso de retoques digitais em imagens de modelos deve ser analisado pela Comissão de Defesa do Direito do Consumidor da Câmara dos Deputados nesta semana. A ideia é tipificar como propaganda enganosa as alterações gráficas que aumentem ou diminuam a silhueta. Não estão incluídos na proposta retoques digitais de cabelos e de remoção de manchas na pele. Stefano Ribeiro Ferri, advogado especialista em direito do consumidor, explica que a propaganda é considerada enganosa quando induz o consumidor a erro, seja por falsas informações, omissões relevantes, afirmações exageradas, seja por qualquer outro meio que possa levar a um entendimento falso sobre o produto ou serviço anunciado. • Compartilhe esta notícia no WhatsApp • Compartilhe esta notícia no Telegram “Importante destacar que o uso de edições exageradas de imagem que eventualmente induzam o consumidor a erro pode, sim, caracterizar propaganda enganosa, a depender do caso concreto”, completa. No Brasil, a propaganda enganosa está sujeita a punições e sanções conforme o Código de Defesa do Consumidor, com valor variável dependendo da gravidade da infração e do dano causado aos consumidores. “Em geral, a utilização de filtros em imagens publicitárias não é proibida por si só, mas o uso exagerado que leve à distorção da realidade ou à criação de expectativas irreais pode ser considerado propaganda enganosa, sujeita às sanções mencionadas anteriormente. Sendo assim, é possível que se torne a lei mais rígida para os casos em que consumidores podem ser lesados em razão do exagero publicitário”, explica. O projeto foi originalmente proposto ao Senado pelo senador Gladson Cameli (PP-AC), em 2018. Na época, o senador alegou que o excesso de modificações em imagens publicitárias era questão de saúde pública. Ele também se baseou em uma lei francesa que, desde outubro de 2017, torna obrigatório estampar a informação sobre os retoques em fotografias publicitárias. O não cumprimento da norma pode gerar multas de até 37,5 mil euros, ou R$ 200,9 mil. Diferentemente da legislação francesa, contudo, o projeto não prevê punições para o descumprimento da medida. A Noruega também aprovou, em 2021, uma legislação mais rígida para a modificação de imagens, inclusive enquadrando influenciadores digitais, que precisam informar nas redes sociais que a imagem utilizada foi editada. O Reino Unido também anunciou uma medida parecida, também em 2021. Na Câmara, o projeto teve outras dez propostas legislativas apensadas (quando um projeto é anexado a outro, para que passem a tramitar juntos), todas com conteúdos parecidos com a sugestão aprovada pelo Senado. Na Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação, o texto foi aprovado com parecer favorável da relatora, deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), que alegou que a busca por “padrões inalcançáveis de estética tem moldado comportamentos cada vez menos recomendáveis à saúde da população”. “Os publicitários estão utilizando softwares de manipulação de imagens para moldar corpos e atrair diversos nichos de mercado”, disse. “Acreditamos que nossa legislação, no mesmo sentido de outros países, precisa ser aperfeiçoada para deixar bastante claro que manipulação digital de fotos de pessoas em peças publicitárias precisa ser explicitamente informada ao consumidor. Tal procedimento evitará confusão e indução a erro para os destinatários da propaganda”, completou. Já na Comissão de Defesa do Consumidor, o projeto de lei tem parecer contrário do relator, deputado Márcio Marinho (Republicanos-BA). No relatório, o parlamentar afirma que a intenção da proposta é boa, mas não está “de acordo com nossa realidade atual”. “Isso porque as alterações de imagens hoje se encontram completamente naturalizadas pela sociedade. Não seria exagero afirmar que todas as pessoas fazem isso no seu dia a dia, com as suas próprias imagens, guardadas para si ou postadas em suas redes sociais”, afirma. “Trata-se de uma ação tão automática que nem sequer pensamos sobre ela: mal tiramos uma foto e já fazemos as alterações nela antes de a enviarmos a alguém ou de a divulgarmos publicamente por meio da internet. Os próprios aplicativos de rede social e os aparelhos celulares fornecem inúmeras ferramentas de filtros e outras mais para alterações das imagens”, completou. O relatório foi apresentado em agosto e já entrou duas vezes na pauta da sessão, mas não foi votado.