Dados do Ministério da Educação (MEC) mostram que quase um terço dos concluintes dos cursos de direito em instituições privadas foi “reprovado” no Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes). Na prática, 32,7% desses cursos obtiveram os conceitos 1 e 2, os mais baixos da avaliação que vai até o 5 — ante 8,6% das públicas. Além disso, a maioria dos novos profissionais nos cursos avaliados chegará ao mercado apenas com uma nota média. • Clique aqui e receba as notícias do R7 no seu WhatsApp • Compartilhe esta notícia pelo WhatsApp• Compartilhe esta notícia pelo Telegram Após a divulgação, o ministro da Educação, Camilo Santana, afirmou que o governo enviará neste mês ao Congresso um projeto para criar uma agência regulatória para atuar no ensino superior. “O MEC não tem perna suficiente para fazer essa supervisão da forma necessária para garantir a qualidade dos cursos no país.” O Enade avalia periodicamente os cursos e considera 26 carreiras (na lista estão ainda engenharia, psicologia, jornalismo, propaganda e cursos de tecnologia). No universo total de cursos avaliados, a maior parte obteve nota intermediária. Foram 45,2% com o conceito 3. Atualmente, a regulação do ensino superior é feita por uma secretaria específica do MEC em parceria com o Inep, responsável pela avaliação. O ministro elogiou as equipes, mas admitiu que a estrutura está “aquém do necessário” e uma agência deve cuidar dessa etapa de ensino. O pesquisador Wilson Mesquita de Almeida afirma que o ex-ministro Fernando Haddad já tentou colocar de pé iniciativa semelhante, mas o tema acabou não avançando. “Já passou da hora de ter isso, ainda mais com o avanço do ensino EAD. Agora, tem de ver a correlação de forças para isso. Durante a gestão Haddad foi pensado o Insaes [Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior], uma agência regulatória. Mas o lobby do ensino privado lucrativo, com tentáculos em todo o espectro político brasileiro, barrou, engavetou. Era um projeto bom, uma autarquia, via concurso público, para somente fiscalizar isso. É preciso ter essa agência estatal independente para evitar fraudes.” Explicações Professor da UFABC (Universidade Federal do ABC) e especialista em ensino superior, Wilson Mesquita de Almeida explica que o desempenho ruim de boa parte dos cursos de ensino superior se arrasta desde a década de 1990, quando ainda era realizado o chamado Exame Nacional de Cursos, conhecido como Provão. O pesquisador explica que o fato de o ensino superior brasileiro ser marcado principalmente por instituições privadas de caráter lucrativo faz com que, muitas vezes, a qualidade acabe ficando em segundo plano por exigir custos operacionais altos. Além disso, pelo mesmo motivo, muitas vezes parte das instituições privadas não realiza exames de seleção, diferentemente das universidades públicas, que têm o Enem como principal porta de entrada. “Outro aspecto associado é que esse aluno geralmente vem com baixo capital cultural, com lacunas diversas, que os grupos não conseguem, ao longo do curso, tratar. Por exemplo, sabe-se há muito que grande parte do público dos cursos possui baixos níveis de leitura e compreensão textual, os quais são essenciais para várias disciplinas, em especial direito. Logo, a deficiência da escola pública, outro problema estrutural, também interfere aqui”, afirma Almeida. “Quando contrastamos com as universidades públicas, embora haja heterogeneidade também nesse universo, vemos que o aluno passa por um crivo mínimo, o Enem e/ou outro processo seletivo. Ele também tem um maior capital cultural por ter tido uma melhor escolarização na educação básica, além de ser de famílias mais bem situadas economicamente.” Ainda que a política de cotas tenha alterado significativamente o perfil socioeconômico das universidades públicas, o pesquisador explica que tradicionalmente os estudantes que buscam o curso de direito nessas instituições pertencem à classe média ou à classe alta. O caso do direito A participação de cursos privados de direito no conceito 5 (máximo) é residual, correspondendo a 1,7% do total. Enquanto isso, 37,7% dos cursos de direito das universidades públicas receberam nota 5. Metade dos cursos privados de direito obteve a nota 3, e 15,2% deles, o conceito 4. “Os dados mostram que o sinal de alerta para alguns cursos já está vermelho e precisamos corrigir isso. Claro que ninguém corrige nada na educação com toque de mágica. O papel do MEC é um papel de coordenador, de avaliar, discutir. Até porque temos a autonomia das universidades e [é preciso] construir os caminhos para corrigir as distorções e garantir a melhoria da qualidade de todos os cursos”, disse Camilo Santana. Os cursos de direito reúnem cerca de 671.726 alunos em todo o país na modalidade presencial, a única ofertada, segundo dados mais atuais referentes a 2022. A carreira tem o segundo maior número de estudantes, perdendo apenas para pedagogia. O MEC discute se vai autorizar o credenciamento de cursos de direito EAD. O ministro aproveitou para se posicionar contra essa autorização, defendida pelas instituições particulares. CONFIRA: Post-its pela casa e resumos à mão: professor dá 7 dicas de como estudar biologia para o vestibular Copyright © Estadão. Todos os direitos reservados.