Um projeto de lei em tramitação no Senado pretende definir a síndrome de Tourette como deficiência, garantindo todos os direitos previstos em lei para as pessoas com a condição. Os afetados, que são cerca de 1% da população mundial, sofrem com tiques múltiplos — motores e vocais. Os tiques costumam ser de tipos diferentes e variam no decorrer de uma semana ou de um mês para outro. A proposta, apresentada em 2020, está aguardando votação da Comissão de Assuntos Sociais. Caso o projeto seja aprovado, quem é portador da síndrome terá acesso a direitos como profissional de apoio escolar e acompanhante ou atendente pessoal em, por exemplo, situações de internação em hospital. Pelo texto, os portadores da síndrome deverão ser enquadrados como pessoas com deficiência para todos os fins legais. “É nítido que há barreiras à plena inclusão social das pessoas com síndrome de Tourette, o que as coloca em situação ontologicamente idêntica à das pessoas tipicamente identificadas como tendo deficiências intelectuais”, justifica o autor da proposta, senador Nelsinho Trad (PSD-MS). • Compartilhe esta notícia no WhatsApp • Compartilhe esta notícia no Telegram O Estatuto da Pessoa com Deficiência prevê que a avaliação da pessoa deve considerar fatores como os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; a limitação no desempenho de atividades; e restrições na participação social. “Propomos, então, que as pessoas com síndrome de Tourette sejam formalmente declaradas pessoas com deficiência, na acepção da Lei Brasileira de Inclusão, para que possam gozar dos direitos e garantias nela previstos, o que as protegeria contra discriminação e contribuiria para sua inclusão social”, afirma Trad. A proposta já recebeu parecer favorável da relatora na Comissão de Assuntos Sociais, senadora Zenaide Maia (PSD-RN). “Reconhecemos a importância de assegurar os direitos das pessoas com síndrome de Tourette. Trata-se, de fato, de uma afecção que impõe várias barreiras aos que sofrem dela”, afirma a parlamentar. “Embora pacientes com síndrome de Tourette possam ser saudáveis e ter vida produtiva, a doença não deixa de impor a eles grandes desafios clínicos, psiquiátricos, comportamentais, sociais e ambientais”, completa. Relatório pendente de votação O relatório foi apresentado em 18 de outubro na Comissão de Assuntos Sociais, mas, para que seja votado, é necessário que o presidente do colegiado, senador Humberto Costa (PT-PE), coloque o projeto em pauta. Se a matéria for aprovada, segue para a Comissão de Direitos Humanos (CDH) em caráter terminativo. Isso significa que, se não houver recurso e o texto for aprovado em ambas as comissões, não precisará passar pelo plenário do Senado antes de ir para análise na Câmara. Na Comissão de Direitos Humanos, Zenaide quer realizar audiências públicas com o objetivo de dar visibilidade ao tema. “A gente chama atenção não só da sociedade civil, mas dos trabalhadores da saúde, lá na saúde primária, já que o diagnóstico é clínico. É uma patologia e a gente tem que dar os mesmos direitos das outras patologias neuropsiquiátricas”, afirmou a relatora ao JR Entrevista, da Record News. A parlamentar quer garantir aprovação do projeto em novembro. Entenda a síndrome A síndrome de Tourette é uma condição do sistema nervoso caracterizada por tiques que podem variar de movimentos físicos à verbalização involuntária de palavras e frases simples ou mesmo palavrões, conforme descreve o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. Os tiques são divididos em simples e complexos: o primeiro grupo envolve apenas algumas partes do corpo e podem ser o ato corriqueiro de apertar de olhos ou a ação de cheirar; já o segundo pode ter um padrão, como balançar a cabeça durante um pulo ou um após o outro. Além disso, os tiques vocais podem ser atos, como cantarolar, limpar a garganta ou gritar palavras e frases. São considerados raros os tiques que envolvem a utilização de frases ou palavras inapropriadas, a chamada coprolalia. Apesar de a síndrome ter caráter hereditário, as causas ainda são desconhecidas. Os primeiros sinais da síndrome costumam aparecer entre os 4 e 6 anos, intensificam-se por volta dos 10 anos e costumam diminuir ao longo da adolescência até desaparecem espontaneamente — o que ocorre na maioria dos casos. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a síndrome de Tourette é uma doença rara, que atinge cerca de 1% da população, com prevalência em crianças. Outras doenças, no entanto, estão frequentemente associadas à condição, como o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) (22%–66%), transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) (30% a 50%), ansiedade e depressão (57%), distúrbios do sono (62%), transtorno episódico do controle dos impulsos (25% a 75%) e autolesão comportamental (33%–53%). “Além dos tiques motores e fônicos, várias outras manifestações podem se coadunar. Por exemplo: transtorno obsessivo-compulsivo, depressão, ansiedade, déficit de atenção e hiperatividade, distúrbios do sono, impulsividade. É uma síndrome caracterizada por sintomas neurológicos e psiquiátricos”, explica o médico Osvaldo Vilela-Filho, neurocirurgião do Instituto de Neurologia de Goiânia e chefe da Divisão de Neurocirurgia do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG). Na avaliação de Vilela, há elementos suficientes para caracterizar pessoas com a síndrome como portadores de deficiência. “A caracterização de deficiência não é muito simples. Mas imagine uma pessoa que tenha tiques motores e fônicos, gritando, emitindo palavras obscenas ou compulsões, que são rituais desencadeados por pensamentos obsessivos. Claramente isso incapacita a pessoa para várias atividades do dia a dia. Então penso que, de fato, a síndrome pode incapacitar pessoas.” Afeta as crianças Segundo o CDC, a síndrome de Tourette pode afetar cerca de 20% das crianças, apesar de nem todas serem diagnosticadas ou mesmo avaliadas com a condição. A incidência é maior entre homens, com a proporção de três casos entre meninos para cada caso entre meninas. Para uma pessoa ser diagnosticada com a condição, os tiques vocais ou motores precisam se repetir por pelo menos um ano. O diagnóstico é clínico, e o tratamento, que pode incluir intervenção comportamental e uso de medicamento antipsicótico, pode ser indicado quando os tiques interferem na vida da criança.