Lar Brasil Dia da Umbanda: terreiro de cidade de MG teria antecedido fundação da religião por Zélio de Moraes

Dia da Umbanda: terreiro de cidade de MG teria antecedido fundação da religião por Zélio de Moraes

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A manifestação do caboclo Sete Encruzilhadas no médium Zélio de Moraes em uma mesa de espiritismo é lembrada como o surgimento da doutrina. Mas a história não começa assim. A história de Maria Luiza Marcelino se entrelaça com as práticas ancestrais desta religião, revelando uma jornada marcada pela resistência, espiritualidade e transformações ao longo dos séculos. Seguidas da fundação do quilombo na Fazenda da Liberdade, em Ubá, na Zona da Mata mineira, as práticas espirituais dos descendentes de Maria tinham como pretensão proteger negros e indígenas que enfrentavam a escravidão na primeira metade do século XIX. Guiados por entidades, esses quilombolas antecederam Zélio de Moraes na “criação” da Umbanda, uma história contraditória que transcende as narrativas tradicionais. Raiz quilombola A comunidade quilombola da qual Maria Luiza Marcelino é descendente surgiu na Fazenda da Liberdade em 1836, antecedendo os primeiros cultos. Hoje, a comunidade é nomeada como Associação Quilombola Namastê. Maria Luiza Marcelino é Mestra dos Saberes Tradicionais pela UFMG — Foto: Saberes Tradicionais UFMG/Divulgação Segundo o mestre em antropologia Matheus da Rocha Viana, tanto a formação do grupo quanto as primeiras práticas umbandistas começaram às escondidas, tanto no meio do mato quanto na senzala, pois não havia um espaço próprio para isso. “Esse espaço sagrado de culto umbandista nasce com a avó de Maria Luiza, mas Maria Luiza deixa muito claro que, durante o surgimento do quilombo, seus antepassados já eram orientados por guias e entidades para garantir sua sobrevivência e a segurança de seus iguais”, destacou Matheus. As manifestações de indígenas e espíritos de negros, que antecederam aqueles escravos, tornaram-se rotina para aquele grupo. Não é sabido ao certo as primeiras entidades a incorporarem, mas os relatos dão conta de que isso aconteceu muito antes de Zélio de Moraes. Com a abolição da escravatura, os quilombolas puderam se estabelecer no que hoje é chamado de Bairro da Luz, em Ubá. A região era “só mato” após a alforria, como conta Dona Maria. Lá, o grupo pode não só ter o próprio espaço como fundar o Centro Espírita Caboclo Pena Branca, que funciona no mesmo local até hoje. O terreiro servia como o ponto centralizador daquela comunidade. “Minha avó fazia os cultos no meio do mato, escondida para a polícia não achar. Inclusive, ela chegou a ser presa por desobedecer à ordem da época de não realizar as benzeções”, contou Dona Maria ao ser perguntada sobre os registros dos primeiros anos do terreiro. Maria Luiza herdou a chefia do Centro Espírita após duas gerações de mães de santo – mãe e avó dela. Hoje, também é a principal representante do quilombo. O mestre em antropologia afirma que o território quilombola é uma extensão do local sagrado e das práticas. Maria Luiza, sua família e outros umbandistas no caminho para cachoeiras — Foto: Maria Luiza Marcelino/Matheus da Rocha Viana/Arquivo Pessoal Atualmente, o quilombo sofre com as mudanças na cidade, que fizeram a comunidade ser classificada como quilombo urbano, por não preservar totalmente os mesmos costumes e infraestruturas de antigamente. O Centro Espírita conta com mais de 50 filhos de santo, todos descendentes de quilombolas. São feitas giras com diversos grupos de entidade como caboclos, pretos-velho, boiadeiros, quimbandeiros, exus e outros. O controverso início da Umbanda Parte dos estudiosos da religião umbandista creditam às histórias como a da dona Maria os primeiros passos da Umbanda, ainda que a religião não tivesse esse nome. Para eles, esse é um processo de “embranquecimento” da religião e de “demonizar” as práticas africanas. Terreiros de Umbanda consideram a religião como sendo de matriz africana — Foto: Maria Júlia Araújo/g1 A Umbanda teria surgido com esse nome em 1908. O culto teria sido criado pelo Caboclo Sete Encruzilhadas, entidade que, segundo a religião, se manifestava através do médium Zélio de Morais, um homem branco. A primeira manifestação teria ocorrido em uma sessão de espiritismo em 15 de novembro do mesmo ano, quando a entidade incorporou e reivindicou que, no dia seguinte, os trabalhos para a caridade fossem iniciados por Zélio. O espírito teria reunido práticas de diversas culturas. Ser um “espiritismo de terreiro” ajudou a religião a ser melhor aceita pela sociedade, afirma o filósofo e sacerdote Rodrigo Queiroz. “O espiritismo era francês, europeu. A macumba era perseguida como nos dias atuais, mas de maneira muito mais severa”, explica Rodrigo. Apesar de concordar que houve manifestações semelhantes ao que existem hoje nos terreiros de Umbanda, o filósofo crê que Zélio de Moraes foi uma figura de extrema importância para a religião por conseguir fundamentar e popularizar parte dos cultos. Em contraponto, para o mestre em antropologia, “assim como várias e vários traços culturais brasileiros, a Umbanda foi absorvida por uma parte da população que acabou consolidando um ideal de que ela seria uma ‘face branca do candomblé’…”. … sendo que a realidade é que é tão africana e preta quanto o candomblé, e Luiza é prova disso” — completa Matheus. A partir de Zélio, novas vertentes da religião foram criadas, sendo necessárias novas ferramentas para lutar pelos direitos da Umbanda. Um dos principais nomes dessa causa foi Tata Tancredo, o sacerdote negro que fundou a Confederação Umbandista do Brasil em 1952. Muito ainda se discute sobre o início da religião, mas por ser uma data marcante para os adeptos, o dia 15 de novembro é comemorado por parte deles. A data não só é simbólica, mas instituída pela Lei 5687/05 de 2008. *estagiário sob supervisão de Juliana Netto VÍDEOS: veja tudo sobre a Zona da Mata e Campos das Vertentes

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