O rio Taquari nasce no município de Alto Taquari, ao sul do estado de Mato Grosso, e depois de 40 km chega a Mato Grosso do Sul, passando por Alcinópolis, Pedro Gomes, Coxim, Rio Verde de Mato Grosso e Corumbá, onde deságua no Rio Paraguai. De acordo com o Instituto Taquari Vivo, organização criada para auxiliar na busca por soluções para a restauração ambiental e produtiva da bacia do Alto Taquari, o processo de assoreamento do rio começou no final dos anos 70 e início dos 80, com o avanço da ocupação da população em áreas de proteção dos córregos e nascentes, intensificando as perdas de solo. Os sedimentos passaram a se acumular nas calhas dos rios e ser despejados na planície pantaneira. Ao longo dos anos, a área alagada começou a demorar cada vez mais para retornar ao leito do rio depois das épocas de cheia. Até que parou. Comunidades foram desalojadas pela inundação e matas inteira foram atingidas Desde 2019, mais de 150 km do leito do rio se tornaram areia, sobrando um caminho seco onde antes corria as correntezas. A degradação comprometeu a biodiversidade aquática, a navegabilidade do rio e a vida dos ribeirinhos. Bancos de areia acumularam-se por todo o trajeto do fluxo de água, bloqueando a antiga hidrovia, impedindo o transporte de pessoas, dos insumos e da produção. Rio Taquari tem mais de 800 km de extensão e vira afluente do rio Paraguai. — Foto: Gabriela Longo Atualmente, a pecuária sofre pelo desgaste de suas pastagens e pelo esgotamento da terra. As erosões são agravadas pela exposição do solo, encrostamento e baixa infiltração de água nas pastagens degradadas. O biólogo, mestre e doutor em Ecologia e Conservação, Milton Longo, explica que um dos fatores essenciais para evitar o assoreamento dos rios, é a preservação das matas ciliares, que são a vegetação nativa em volta das margens. De acordo com o especialista, as matas contribuem para regular a vazão das águas, pois seguram o excesso do volume da chuva, atuando na retenção dos sedimentos e consequentemente, na proteção do solo e na redução de poluentes. Carcaça de jacaré em parte assoreada do Rio Taquari. — Foto: Reprodução/TVMorena Também atuam na proteção dos fundos de vales urbanos e nas encostas dos rios, evitando principalmente os processos erosivos que levam aos desmoronamentos e às enchentes, como aconteceu no caso do Taquari. Eventos como estes, reforça o biólogo, que estão sendo cada vez mais frequentes e extremos, ocasionados pelas mudanças climáticas globais, cujas atividades humanas têm sido o principal impulsionador destas mudanças. Milton ainda relata que além das matas ciliares, as árvores em geral têm um importante papel na manutenção do equilíbrio ambiental global, especialmente na preservação da água, atuando na regulação do ciclo hidrológico. Influencia sobretudo no regime de precipitação, pelo fornecimento de umidade que auxilia na formação de chuvas, pois as árvores absorvem água do solo e liberam-na lentamente através da transpiração. Isso ajuda a recarregar lençóis freáticos e a manter nascentes e corpos d’água fluindo, mesmo em épocas secas. “Há uma relação estreita entre o ciclo da água e o clima. Notadamente, as frequentes ondas de calor, secas, inundações, incêndios florestais e suas consequências estão aumentando e alterando o nosso ambiente, corroborando com pesquisadores que apontam principalmente a queima de combustíveis fósseis e os desmatamentos, que liberam gases de efeito estufa, como as causas das mudanças climáticas globais. Esses eventos afetam a oferta de água, ameaçando o suprimento de recursos hídricos para todos, podendo desencadear em uma crise hídrica”, alertou Milton. Uma crise hídrica desencadeada, a falta de água pode levar ao aumento de consumo pela população e da utilização de energia térmica para gerar energia elétrica, aumentando as emissões de gases de efeito estufa. Gerando assim, um ciclo vicioso que reflete nas ondas de calor. Conforme informações divulgadas pelo Climatempo no início desta semana, Campo Grande entrou para a lista das cinco capitais brasileiras mais quentes do Brasil na segunda-feira (13). Em plena onda de calor, a capital de Mato Grosso do Sul registrou 37,6ºC. Para interromper o avanço e iminência de cenários extremos, o especialista é claro e objetivo: “plante árvores, semeie Educação Ambiental e cultive gestão eficiente”. Área alagada pelo rio Taquari. — Foto: Instituto Taquari Mato Grosso do Sul está localizado em uma área privilegiada, com diversas nascentes e sobre o Sistema Aquífero Guarani (SAG), a segunda maior fonte de água doce subterrânea do planeta. Contudo, a abundância não é infinita e sua preservação depende do posicionamento da população em relação ao assunto, completa Milton, bem como do apoio da gestão pública e da iniciativa privada. “Sabemos que as estiagens, combinadas com o aumento expressivo do consumo de água e com o desperdício desse bem, tanto nas atividades rotineiras urbanas, atividades dos setores produtivos industriais e agropecuário, pode acabar agravando o problema das crises hídricas e seu possível enfrentamento”. Entre as soluções para preservar o meio ambiente, o especialista ressalta o consumo consciente; a adoção de novas tecnologias para melhor aproveitamento dos recursos; manejo adequado dos resíduos sólidos e efluentes; a manutenção das matas ciliares e a proteção de nascentes. “Tudo isso necessariamente combinado com o plantio sistemático de árvores e florestas, disseminação da correta informação e formação e, sobretudo da educação ambiental, pois, sem a união de esforços em movimentos coletivos e colaborativos, há o risco de ficarmos sem esse recurso natural tão importante em um futuro não tão distante”. Voçorocas causadas pelo assoreamento. — Foto: Instituto Taquari O projeto visa restaurar áreas das cabeceiras do rio, com o plantio de 2 milhões de árvores. Plantando água Dulce Costa, de 56, tem uma propriedade rural onde cria gado a cerca de 40 km do perímetro urbano de Campo Grande. A produtora explica que para além de cumprir as normas estabelecidas pela legislação, ela realiza ações de preservação por prazer. Apenas com mudas que recebeu da Águas Guarirobas, já plantou cerca de 5 mil espécies ao longo da Área de Preservação Permanente (APP). Dulce plantando árvores em APP. — Foto: Arquivo Pessoal “Tem árvores que são nativas do Cerrado e tem árvores que não, mas mesmo assim eu plantei todas. Estou tendo um sucesso maravilhoso. É incrível, eu falo o seguinte, que eu planto água todo dia. Porque praticamente todo final de semana que eu vou para a fazenda e estou plantando uma árvore”. De acordo com o Código Florestal Brasileiro, todas as propriedades rurais devem manter a APP, ou como é conhecida popularmente, as matas ciliares. Além disso, é necessário conservar 20% da vegetação nativa preservada. Em propriedades com criação de gado, existem ainda outras exigências para impedir que os animais prejudiquem os cursos de água, como a construção de cercas em volta dos rios e criação de bebedouros longe das bacias hídricas. Pelo menos 20% da área nativa precisa ser preservada nas propriedades rurais. — Foto: Arquivo pessoal “Uma vez eu peguei muitas árvores que eu tive que contratar até um caminhão pra levar e mais ou menos 12 pessoas para me ajudar a plantar. Então ssim, é muito intenso, é uma experiência incrível, maravilhosa. E eu cuido como se eu tivesse cuidando animalzinho doméstico, porque eu tô sempre em contato”, relatou Dulce. Um dos locais que doam mudas que Dulce mais tarde planta, é mantido pela Concessionária Águas Guariroba. Com capacidade anual de 50 mil mudas, de mais de 17 espécies do Cerrado, o Viveiro Isaac de Oliveira foi criado para recuperar áreas de mananciais, matas ciliares, reservas e APPs, explicou o gerente de Meio Ambiente e Qualidade da concessionária, Fernando Garaya. “O Código Florestal pede que você deixe um raio de 50 metros de qualquer olho d’água. E a gente sabe que nem sempre isso é respeitado, ou às vezes até pequenos olhos d’água são dizimados. Até para o produtor rural, porque às vezes a gente tem essa ganância de querer desmatar mais para plantar mais, só que é um tiro no pé, porque isso não preserva o meio ambiente. A gente imagina que boa parte da água do rio vem da chuva, mas na verdade a gente tem que ver que a água do rio só tem água a todo momento por conta das águas subterrâneas. Então se você não tem a proteção do solo, aquela água da chuva não consegue infiltrar e não consegue alimentar”, ressaltou Fernando. Veja a lista das espécies cultivadas no Viveiro: Amendoim do cerradoPaineira rosaAngico brancoAngico pretoAraçaAraribaAraticum do brejoAroreira pimenteiraIpêsBacupari miudoJacarandáBarbatimãoBocaiuvaIngáCaja mirimCamu camuCanafistula Viveiro Isaac de Oliveira, em Campo Grande. — Foto: Gabrielle Tavares Na sede do Viveiro em Campo Grande, dois reeducandos da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen) trabalham no local durante o dia. À reportagem, um deles, que terá sua identidade preservada, explicou que cada semente exige um manejo diferente antes de ser lançada ao solo. Algumas, necessitam ser ressecadas ao sol, outras devem ser mantidas na água. Após o processo de “fertilização”, as sementes são semeadas no Berçário, onde há espécies de piscinas de terra redondas. Quando crescem, as mudas vão para sacos plásticos pretos e resistentes, com terra e adubo, e transportadas para os Viveiros, onde passarão à fase da adolescência. Mudas de Ipê roxo sendo cultivadas no Berçário. — Foto: Gabrielle Tavares Depois de estarem fortes o suficiente para resistir às intempéries climáticas, as mudas são distribuídas para cumprir o objetivo para qual foram criadas, substituir as antecessoras anteriormente desmatadas. Para decidir o destino das mudas, as equipes da Águas Guarirobas realizaram um estudo inicial para analisar a propriedade rural e o projeto de restauração de recuperação ambiental. Se aprovado, o proprietário retira as plantas do Viveiro e precisa mandar evidências para que o plantio seja acompanhado. Segundo Fernando, instituições e Organizações Não Governamentais (ONGs) também trabalham em parceria com a concessionária e permitem que reservas de todo Mato Grosso do Sul recebam as árvores cultivadas ali. Proprietários interessados em participar do projeto, devem entrar em contato com a concessionária pelo canal 0800 642 0115. — Foto 1: Gabrielle Tavares — Foto 2: Gabrielle Tavares “As árvores estão intimamente ligadas com a proteção dos nossos recursos hídricos, tanto em quantidade quanto em qualidade. Quando a gente tem ali as matas ciliares bem preservadas dos nossos rios, elas funcionam como uma proteção para que o solo ou sedimento não chegue até aquele rio. E quando a gente evita que esse solo chegue no rio, a gente está evitando o assoreamento das nascentes e também a alteração da qualidade da água”, reforça o gerente. Na nascente que passa pela propriedade de Dulce, as matas ciliares estão crescendo cada vez mais e por isso, ela pretende pôr em prática um assunto que vem estudando há tempos, aumentar o fluxo de água. Ela explica: quanto mais árvores tiver no entorno de uma nascente, as sombras vão permitir que se crie um ambiente úmido, com pouca luz do sol. Desta forma, a água vai evaporar em menor quantidade e a tendência é que o nível do rio suba cada vez mais. “Inclusive, eu quero colocar até uma régua lá dentro para eu poder acompanhar isso, porque as árvores já estão crescendo. Realmente sou uma plantadora de água e não, eu não tô plantando só ali na nascente, eu tô plantando no decorrer. Então assim, todos os lugares que eu tô vendo assim que tá limpo, que não tem árvore, eu vou lá e planto”, disse orgulhosa. “E não só isso. As pessoas que convivem comigo, meus amigos, minhas amigas, crianças, eu tô transformando essas ideias, eu tô transformando as pessoas”, finaliza. Sementes sendo secadas ao sol antes do plantio. — Foto: Gabrielle Tavares Veja vídeos de Mato Grosso do Sul:
Rio Taquari: o que um dos maiores desastres ambientais do Brasil ensinou sobre preservação
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