Giovanna Borielo, do R7 20/11/2023 – 02h00 Em meados de 2021, Antônio Josué Filho, 69 anos, maestro, músico e militar da reserva do Exército aposentado, começou a sentir certa dificuldade para urinar. Ele logo fez o que todo homem deve fazer: foi ao médico. No exame, constatou que sua próstata estava com tamanho acima do normal. Foram duas biópsias e o veredito: câncer. Antônio faz parte dos 71.730 brasileiros que anualmente são diagnosticados com a doença, segundo dados de 2022 do Inca (Instituto Nacional de Câncer). “Eu vinha fazendo anualmente os exames de sangue PSA [antígeno prostático específico] e de toque da próstata. De um ano para o outro, a equipe de urologia estranhou que os níveis do PSA dobraram. Os resultados, que eram dois [níveis], passaram para quatro”, relata. A equipe pediu outro exame de sangue, que repetiu os mesmos valores. Em uma primeira biópsia, que retirou 13 fragmentos da próstata, nada foi encontrado. Após três meses, em nova retirada de 23 fragmentos da próstata para nova biópsia, veio a confirmação do câncer. “É muito difícil psicologicamente [receber essa notícia]. Mas tive que absorver e resguardar minha saúde para o que teria que passar.” A história de Antônio, que fazia exames periódicos e não titubeou ao notar um sinal de alerta, é ainda mais relevante no contexto do Novembro Azul, campanha que há uma década dedica esse mês a conscientizar a população sobre a importância do cuidado com a saúde masculina no país. E isso envolve muito mais do que a preocupação com relação à próstata. Novos métodos, antes inacessíveis, passaram a ser adotados em hospitais nacionais. Embora nem todos tenham chegado ao SUS (Sistema Único de Saúde), eles são uma mostra de que os tratamentos avançaram, tornando-se menos invasivos, e que a recuperação pode ser mais rápida. Antônio optou por uma novidade: a retirada da próstata por meio de uma cirurgia robótica. A decisão veio após conversar com um amigo que havia passado pela mesma situação e com o urologista João Manzano, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e especialista em cirurgia robótica e câncer do Hospital Moriah, referência nacional no assunto. Meio mais tecnológico e avançado disponível atualmente, esse tipo de operação é feita no Brasil desde 2008 e dispensa uma incisão maior ao contar com pequenas pinças que são controladas pelo cirurgião — como uma laparoscopia — e inseridas em cortes de 5 mm a 12 mm. O militar da reserva aposentado desembolsou R$ 24 mil, já que o procedimento não está disponível no rol de cobertura da ANS (Agência Nacional de Saúde) nem via SUS. “Na maioria das vezes, o paciente fica apenas um dia no hospital, indo embora com uma sonda para fazer o xixi, que é retirada após uma semana. A pessoa pode voltar às atividades rotineiras cerca de 10 a 14 dias após o procedimento, com exceção de atividades que exijam maior esforço físico”, diz Manzano. Na cirurgia tradicional, a urologista Karin Anzolch, diretora de comunicação da SBU (Sociedade Brasileira de Urologia), explica que é feito um corte de 15 cm a 20 cm na transversal, como numa cesariana. Nesse caso, são necessários sete a 14 dias com a sonda. A recuperação é lenta. São 20 dias para poder voltar ao trabalho, 30 dias para atividades físicas, inclusive a sexual, e 90 para a cicatrização. O método é utilizado no mundo inteiro desde o século 20 e foi aperfeiçoado em 1982 pelo urologista americano Patrick Walsh, que desenvolveu uma técnica que poupava os nervos responsáveis pela ereção, grande trauma da operação. O empresário Eduardo Spagnuolo, 61 anos, faz acompanhamento urológico anual e há cinco anos começou a sentir dificuldade ao urinar, principalmente à noite. Ao buscar ajuda, ele constatou que se tratava de HPB (hiperplasia prostática benigna). Trata-se de um aumento benigno da próstata, que ocorre conforme o homem envelhece. Esse crescimento não possui características cancerígenas, mas pode gerar dificuldade para fazer xixi ou micção mais frequente, com sensação de urgência. Isso porque, com o aumento da próstata, a uretra é comprimida, bloqueando o fluxo urinário e, muitas vezes, impedindo o esvaziamento completo da bexiga — daí a vontade de urinar mais vezes. As causas não são bem definidas, mas provavelmente decorrem de alterações hormonais, em especial da testosterona. De acordo com a Sociedade Brasileira de Urologia, estima-se que metade dos homens com mais de 50 anos possua algum grau de hiperplasia prostática benigna. A dificuldade de urinar, somada às alterações no exame de PSA, preocupou Spagnuolo. “Sempre fiz a vigilância ativa. Com o exame aumentado e o crescimento da próstata, tive medo da possibilidade de ser um câncer”, desabafa. “Foram solicitadas três biópsias [para verificar se em alguma haveria alteração]. Fiquei apreensivo e ansioso para saber o resultado.” O laudo negativo tirou um peso dos ombros do empresário. Todas as suspeitas se resumiram à HPB. Nos últimos anos, ele apenas acompanhou o aumento da glândula, sem nenhum tratamento, até a próstata pesar 80 g e começar a incomodar (o peso médio é de 25 g). Spagnuolo pediu, então, a seu médico que lhe indicasse as opções de tratamento para a redução, como a raspagem, o laser ou a retirada da próstata — esta limitada a casos graves. Por serem métodos invasivos, ele optou por adiar ao máximo. A espera valeu a pena, e uma nova opção chegou: o Rezum. Em novembro de 2022, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) emitiu o registro do sistema Rezum, técnica pouco invasiva que utiliza vapor de água para reverter o aumento benigno da próstata. “Na cirurgia para raspagem e ressecamento da próstata, o paciente precisa ficar internado, pois o procedimento é mais longo e tem um maior risco de sangramento. No Rezum, o paciente recebe a sedação, como num exame de endoscopia. Uma câmera, então, é inserida no canal anal com uma agulha, que entra no tecido prostático e libera um vapor a cerca de 100°C, causando a morte celular”, afirma o urologista Ricardo Vita, também do Hospital Moriah. O urologista Rodrigo Loureiro, coordenador do departamento de HPB da SBU, explica que a raspagem da próstata é feita de modo cirúrgico endoscópico (por meio de um tubo flexível), removendo pequenos fragmentos da glândula com a ajuda de um bisturi elétrico. Os pedacinhos extraídos são enviados para a análise patológica de rotina. Bem mais invasivo, o procedimento é realizado com anestesia espinhal (local) e tem duração de uma hora a uma hora e meia. Exige internação de até três dias, e o retorno a todas as atividades pode levar um mês. “[Já no Rezum], o procedimento total dura três minutos, e o paciente demora de uma a duas horas para retornar da sedação, sem necessidade de ficar internado. A glândula se atrofia em cerca de três meses, diminuindo o volume da próstata em até 40%”, afirma Ricardo Vita. A aplicação do vapor causa um processo inflamatório na próstata, e o paciente passa de cinco a sete dias com uma sonda, até a desinflamação — o único inconveniente. O retorno à rotina é rápido, com poucas restrições, e preserva a ejaculação em mais de 90% dos casos. O método começou a ser adotado alguns anos atrás, por exemplo, no Hospital Universitário de Cambridge, na Inglaterra, e no Hospital Universitário de Henares, em Coslada, cidade próxima a Madri, na Espanha — além de locais na Alemanha e na Suécia. Já aos hospitais brasileiros o Rezum chegou em julho deste ano e ainda é um serviço restrito: o médico estima que existam 20 máquinas que realizam o procedimento no país e o tratamento não tem cobertura de planos de saúde. Spagnuolo gastou cerca de R$ 28,5 mil: R$ 4.000 da internação hospitalar, R$ 9.500 referentes ao Rezum e R$ 15 mil de honorários médicos. “Pode ser que daqui a alguns anos eu precise repetir o procedimento, mas também existe a possibilidade de, até lá, termos tecnologias ainda mais avançadas”, diz o empresário. Loureiro afirma que, por ter aprovação recente, a tecnologia ainda está em fase de implementação. Mas, sem dúvida, é um grande passo das pesquisas na área. Outras possibilidades minimamente invasivas para tratar a fase inicial da doença são o iTind e o UroLift. A primeira técnica consiste em uma “remodelação” da parte da uretra que passa por dentro da próstata, feita com um aparelho parecido com um stent (usado para evitar interrupção do fluxo sanguíneo). O dispositivo fica no local por sete dias e, depois, é retirado. Com isso, há uma liberação do canal na próstata, permitindo o fluxo urinário e o fim da sensação de urgência para fazer xixi. Já o segundo recurso envolve a utilização de grampos permanentes e imperceptíveis, que abrem o canal da uretra na próstata. As novidades nas opções de tratamento para a saúde da próstata incluem o uso do laser, como o HoLep e o GreenLaser, métodos duradouros e minimamente invasivos, que permitem o retorno às atividades em até 24 horas. Loureiro afirma que essas técnicas já são utilizadas, além do Moriah, em alguns hospitais universitários de alta complexidade no SUS, como o Hospital Universitário Pedro Ernesto da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e o Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo). No HoLep, um laser de hólmio de alta potência, feixe de luz em um comprimento de onda especial, retira o miolo da próstata. A internação, com uso de anticoagulantes, demora só 24 horas. Já o Greenlight usa o laser verde e é utilizado na vaporização da glândula, indicado para destruir o tecido aumentado de próstata com menos de 60 g. • prostatite: uma inflamação ou infecção da glândula, geralmente causada por bactérias, que atinge 10% dos homens de 30 a 50 anos; • bexiga hiperativa: caracterizada pela urgência de urinar e pelo aumento de idas ao banheiro, inclusive durante a noite; • uretrite: inflamação que provoca fluxo reduzido de urina e dificuldade para fazer xixi, comum em casos de pacientes que usam sonda na região. Para o diagnóstico de muitas dessas doenças, incluindo câncer, é necessária a realização da temida biópsia. O procedimento também tem sido aprimorado ao longo dos anos, com o avanço das pesquisas. Urologista do Moriah e especialista no exame, Victor Srougi afirma que hoje o método mais preciso é a biópsia transperineal, relizada na Europa e em países como Argentina, Chile e México. Nos Estados Unidos, o hospital universitário de Newark, por exemplo, já realiza o procedimento no sistema público. Já no Brasil, ele é realizado desde 2019, mas ainda não tem cobertura de convênios nem é oferecido no SUS. O urologista José Pontes, supervisor da disciplina de urologia intervencionista do Departamento de Terapia Minimamente Invasiva da SBU, conta como funciona a biópsia transretal, mais comum por aqui, mas infelizmente mais invasiva. Em locais em que o tratamento é mais avançado, como na Noruega, ela não é mais utilizada. “A agulha coleta o fragmento da próstata pelo reto, naturalmente colonizado por bactérias, que acabam sendo levadas para dentro da glândula. Isso aumenta o risco de infecção e, consequentemente, a resistência a antibióticos”, diz Pontes. Em ambos os métodos, um aparelho de ultrassom é inserido para guiar as agulhas. Na biópsia tradicional, elas perfuram o intestino para atingir a glândula. Já na biópsia transperineal, as agulhas passam pelo períneo, a faixa de pele entre o ânus e o saco escrotal, preservando a parede intestinal. O risco de ocorrerem complicações, portanto, é menor. “As principais infecções de próstata são sérias e atingem entre 5% e 6% dos homens após a biópsia convencional, exigindo o uso de antibióticos fortes. Há ainda sangramentos retais em 10% a 20% dos pacientes. Na biópsia transperineal, que consegue esterilizar a pele, o risco de infecções cai para praticamente zero e não há necessidade de tomar antibióticos”, esclarece Srougi. Um novo estudo publicado em setembro por um time internacional de pesquisadores na revista científica BMJ Oncology mostra que os casos de câncer em pessoas com menos de 50 anos cresceram 79% pelo mundo nas últimas três décadas, de 1990 a 2019. A pesquisa prevê que casos e mortes por câncer na faixa etária vão aumentar 31% e 21%, respectivamente, até 2030, sendo aqueles na faixa dos 40 anos os mais afetados. E os tumores de traqueia (nasofaringe) e de próstata foram os que cresceram mais rapidamente durante o período analisado, um aumento anual de 2,28% e 2,23%. Segundo o Instituto Nacional de Câncer, o aumento observado nas taxas de incidência, especificamente no Brasil, pode ser parcialmente justificado pela evolução dos métodos diagnósticos, pela melhoria na qualidade dos sistemas de informação do país e pelo aumento na expectativa de vida. Alguns desses tumores podem crescer de forma rápida, espalhando-se para outros órgãos e podendo levar à morte. A maioria, porém, cresce de forma tão lenta que não chega a dar sinais durante a vida nem a ameaçar a saúde do homem. O Brasil é o único país da América Latina a ter uma política exclusivamente voltada à saúde masculina, seus fatores de risco e suas vulnerabilidades. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, do Ministério da Saúde, aborda cinco eixos: • acesso e acolhimento: parte da campanha de conscientização de que os homens necessitam de cuidados específicos e de quais são eles; • saúde sexual e saúde reprodutiva: trata de questões psicológicas, biológicas e sociais, respeitando a vontade de ter filhos ou não;• paternidade e cuidado: busca conscientizar gestores, profissionais de saúde e a sociedade em geral sobre os benefícios da participação ativa dos homens no exercício da paternidade;• doenças prevalentes na população masculina: lembra a importância da atenção primária no cuidado à saúde dos homens;• prevenção de violências e acidentes: propõe estratégias preventivas na saúde. O urologista Ricardo Vita alerta sobre um hábito comum que pode custar a vida de muitos pacientes. “Como muitas das vezes os sintomas [de problemas na próstata] são leves, os homens não buscam auxílio médico. Eles só vão atrás quando os sintomas estão mais intensos e, nesse momento, geralmente já há uma doença em certa progressão.” Mas afirma que as campanhas relacionadas à saúde do homem têm ajudado a conscientizá-los sobre a necessidade de check-ups regulares. “Os exames rotineiros acabam ligando o sinal de alerta em pessoas que não têm sintomas ou que têm mas não se incomodam e não teriam procurado um médico por causa disso.” Antônio Josué Filho diz que os exames de rastreamento são uma obrigatoriedade. “Se eu não tivesse esses cuidados, eu não descobriria [o câncer].” Spagnuolo, por sua vez, afirma que “é de uma tremenda ignorância” deixar de fazer o exame de toque por preconceito. “A prevenção é o primeiro passo para preservar a saúde e a vida. O que seria de mim se eu não tivesse me preservado, se não tivesse feito essa precaução? O preconceito é tolice. A vida é mais importante do que tudo. Se eu não tivesse me antecipado ao câncer, ele é que teria saído vitorioso”, finaliza Antônio.