Montagne é um dos destaques da cena contemporânea da Amazônia e este mês integrou uma exposição coletiva em Portugal, além de ter sido indicado, em 2022, ao prêmio PIPA, um dos mais importantes do Brasil. O artista recebe o público na visita guiada que percorre as obras que compõem “Invertido”: são desenhos, pinturas, colagens, vídeo, objetos. Um caleidoscópio que convida a conhecer o universo de cultura pop que formou a infância e juventude do artista queer nascido e criado na periferia de Belém. Na exposição, Montagne torna a imagem um gatilho estético e político contra a normatividade “moral” do patriarcado — aquele mesmo que arregimentou ciências, religiões e filosofias para inventariar “desviados” ou “pervertidos”: os “invertidos”. Nas obras, o “quebra-cabeça” que constitui a psiqué queer tem como peças os Ursinhos Carinhosos, Castelo Rá-tim-bum, filmes como Homem-Aranha e bonecos Max Steel que se beijam. No bate-papo, Henrique versa sobre a dupla função de ser artista e curador, experiência que assume na mostra “Invertido”. “Vai ser um bate-papo sobre curadoria e as experiências de ser artista e curador ao mesmo tempo. Vou falar um pouco sobre artistas que trabalham também com esse processo de auto-investigação e autopesquisa. Vamos abordar a crítica dos próprios trabalhos e vou passar referências muito particulares dentro do mundo da arte e da curadoria”, diz. Série “Arquivo X” surge de colagens e escritos, criando elos entre elementos da memória do artista — Foto: Divulgação Já a oficina “Arquivo X: memória, imagem, desenho e escrita” tem a intenção de criar uma obra coletiva inspirada no processo técnico da série “Arquivo X” que está presente na exposição “Invertido”. “Nessa obra, eu utilizo da memória pra criar narrativas visuais através da colagem de imagens e da escrita pensada como um desenho. Então a proposta é criar, através das memórias individuais e coletivas de todos os participantes, um grande mural a partir do processo técnico e poético da obra ‘Arquivo X'”, explica. Arte LGBTQIA+ sem arco-íris Em suas criações, Montagne traz o universo das vivências dos corpos masculinos LGBTQIA+, construindo narrativas sobre os papéis de gênero, identidade, masculinidades dissidentes, relações homoafetivas, amor, solidão e cultura queer. “Suaves Brutalidades”, a primeira exposição individual de Henrique, ocorreu em 2021. Desde então, suas obras já circularam por salões, prêmios e exposições no Brasil e no exterior, como o Thessaloniki Queer Arts Festival (Grécia, 2021) e Do Write [Right] To Me (EUA, 2021). Como garoto gay nascido e criado no subúrbio de Belém, entre os bairros do Condor, Cremação e Jurunas, Henrique parte da própria história para acessar uma memória coletiva da juventude LGBTQIA+ a partir dos anos 2000. Alvo de homofobia e machismo, sofreu bullying e agressões (que aparecem em obras como “Retrato com a boca costurada”), mas encontrou na cultura pop o refúgio possível. “A importância de fazer uma exposição como esta é enorme. Ela não é só como uma potente forma de resistência e celebração a sobrevivência de vidas queer na sociedade à violência e a limitação de serem quem são e chegar até a maturidade, mas de fazer refletir e trazer para o debate também as pessoas não-queer, ou não pertencentes à comunidade LGBTQIA+ , pois isso as afeta também, o debate sobre gênero, sobre o patriarcado, sobre as feridas em seus irmãos, filhos, amigos, parentes, pais, mães etc”, destaca Henrique. O cinema, quadrinhos, desenhos animados, imagens de revista e jornal trazendo aspectos eróticos e homoafetivos entre homens e suas masculinidades, cantoras pop, atores globais, literatura: uma profusão interpretada sob a ótica de um garoto gay em formação, com as experiências atravessadas pela atmosfera hostil do mundo real, e que se volta ao universo lúdico da cultura pop, constitutiva de repertório imagético e formação identitária que irão influenciar na pesquisa de Henrique. Obras de Montagne acessam a infância do artista por meio da cultura pop — Foto: Divulhgação Em preto e branco, o desenho aparece como protagonista em “Invertido”, e se desdobra: Henrique resgata o estilo de sua letra na pré-adolescência, e faz da pontuação, tão própria da escrita, um instrumento para traçar os desenhos. “O pontilhismo traz a ideia do desenho como um texto constituído de pontos finais, que não precisa ser falado, mas pode ser lido. Para escrever um texto é preciso do traço, da linha e de pontuações. No meu desenho é a mesma coisa”, diz. “Na mostra, elevo a colagem a um cunho mais conceitual, unindo à escrita, que para mim é um ato de desenhar, pois eu tento refazer a minha escrita de quando eu era adolescente com imagens recortadas em estruturas retangulares”. Outro aspecto agudo nas obras são os olhos vazios dos homens desenhados por Montagne e o uso de tons monocromáticos. “Foi uma fuga que se tornou assinatura estética, para desassociar a arte queer do sempre colorido da bandeira LGBTQIA, que hoje se tornou um clichê para grandes corporações usufruírem de modo neoliberal determinados nichos. Nossas histórias não são tão coloridas assim, existe muito amor, mas também dor”. Programação da mostra “Invertido”, de Henrique Montagne. Terça-feira, 21: visita guiada com Henrique Montagne, às 9h, com lançamento do catálogo da exposição; quinta-feira, 23: bate-papo sobre curadoria e as experiências de ser artista-curador, às 10h30; sexta-feira, 24: oficina “Arquivo X”, de 9h às 12h. Classificação: a partir dos 14 anos. Haverá certificado da oficina para estudantes de graduação. Visitação: até 19 de dezembro, na Galeria Ruy Meira, na Casa das Artes, localizada na R. Dom Alberto Gaudêncio Ramos, 236 – Nazaré, ao lado da Basílica. Visitação: 9h às 17h, de segunda a sexta-feira. Entrada franca.