Dados americanos mostram que cerca de 35% das mulheres em idade reprodutiva (com menos de 50 anos) possuem déficit de ferro no organismo. No Brasil, a estimativa é ainda maior: calcula-se que entre 40% e 50% das mulheres jovens sofram com alguma deficiência de ferro, muitas vezes não identificada porque a dosagem desse nutriente não costuma fazer parte dos exames rotineiros. A deficiência de ferro é a principal causa de anemia, a deficiência nutricional mais prevalente no mundo, que afeta 33% das mulheres não grávidas, 40% das mulheres grávidas e 42% das crianças em todo o mundo, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde). • Clique aqui e receba as notícias do R7 no seu WhatsApp • Compartilhe esta notícia pelo WhatsApp • Compartilhe esta notícia pelo Telegram • Assine a newsletter R7 em Ponto O principal fator que leva à deficiência de ferro na mulher é o ciclo menstrual intenso, com muita perda de sangue — a eliminação de coágulos pode ser uma maneira de identificar a quantidade do fluxo. “Muitas vezes, a mulher não consegue recuperar esse ferro perdido no intervalo de uma menstruação para outra. Além disso, há casos de deficiência de ferro causada por alimentação inadequada, com dietas muito restritivas [pouca carne e pouco alimento rico em ferro], tanto por imposição da beleza quanto por situações em que as pessoas não têm acesso à comida mesmo”, observou Ana Paula Beck, ginecologista e obstetra do Departamento Materno Infantil do Hospital Israelita Albert Einstein. Outras situações também levam ao problema, como cirurgia bariátrica desabsortiva (que altera o trânsito intestinal e, consequentemente, reduz a absorção de vitaminas e nutrientes), alimentação inadequada e dietas restritivas. Inclusive, em um comunicado emitido em 2021, a OMS afirmou que reduzir a anemia era um dos componentes dos esforços para erradicar todas as formas de má nutrição. Em 2020, segundo a organização internacional de saúde, havia 614 milhões de mulheres e 280 milhões de crianças em todo o mundo que sofriam de anemia. O sexo masculino também pode ter deficiência de ferro. A principal causa da anemia nesse grupo é a perda de sangue no tubo digestivo, que precisa ser investigada. Outras causas são desabsorção intestinal ou doenças crônicas. No caso dos homens, no entanto, a anemia não é tão frequente, uma vez que não há perda mensal de ferro, como ocorre com as mulheres, devido à menstruação. Atualmente, os níveis considerados saudáveis de ferro e ferritina no sangue em mulheres são acima de 50 mcg/dl e 15 mcg/l, respectivamente. Existe uma discussão em torno do aumento desses níveis para o sexo feminino, visando reduzir o risco de anemia e melhorar as funções dessas substâncias no organismo, mas ainda não há um consenso definitivo. “É um tema absolutamente discutível, mas o ideal é manter pelo menos os níveis mínimos já determinados”, comentou o hematologista Nelson Hamerschlak, do Hospital Israelita Albert Einstein. Para que serve o ferro? O ferro é usado para fabricar hemoglobina, que é uma proteína dos glóbulos vermelhos que transporta oxigênio dos pulmões para o resto do corpo. Ele também é fundamental para outras funções, como a síntese de DNA e o metabolismo energético. “O ferro ainda ajuda na cadeia respiratória das células nas chamadas mitocôndrias e na fixação do nitrogênio. Ele contribui diretamente na fabricação dos glóbulos vermelhos, da mioglobina dos músculos e de elementos do fígado”, explicou Hamerschlak. Quando não usado para a produção de hemoglobina, o ferro é armazenado nos tecidos de forma geral, principalmente na medula óssea e no fígado, onde é ligado a uma proteína chamada ferritina (um indicador das reservas de ferro). Quando as reservas de ferro diminuem, o que está disponível é redirecionado para a manutenção dos glóbulos vermelhos, em detrimento de suas outras funções. Se o corpo esgota suas reservas, a deficiência de ferro leva a uma redução da hemoglobina e do número de glóbulos vermelhos saudáveis — e é aí que surge a anemia ferropriva, a principal causa de anemia no Brasil e no mundo. “Existem outros tipos de anemia, entre elas a doença falciforme, a talassemia, deficiência de B12, ácido fólico, autoimune etc., mas a anemia por deficiência de ferro é de longe a mais comum”, ressaltou Hamerschlak. Sintomas e tratamento da deficiência de ferro Os sintomas da deficiência de ferro costumam ser bem inespecíficos e incluem desde falta de ar, cansaço, confusão mental, queda de cabelo, enfraquecimento das unhas, tontura, aumento da sensibilidade ao frio até palpitações cardíacas. O principal problema é a anemia, que, se não for identificada e tratada, pode progredir para um quadro grave e levar à insuficiência cardíaca e alterações no metabolismo celular e na produção de energia. Nas mulheres grávidas, a preocupação é ainda maior, devido ao aumento da necessidade de sangue circulando para o feto e a placenta. Uma deficiência de ferro na gestação pode causar anemia, baixo peso do bebê ao nascer e parto prematuro. Além disso, tem sido associada a problemas de desenvolvimento neurológico, com efeitos significativos no desenvolvimento cerebral, levando a atrasos no progresso neuropsicomotor e consequências negativas na aprendizagem e no desempenho escolar posteriormente. A Figo (Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia) emitiu recentemente uma recomendação para que todas as pacientes tenham os níveis de ferro medidos regularmente, independentemente se estão ou não grávidas. Aqui no Brasil, a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) publicou uma recomendação parecida no ano passado, em que orienta investigar e tratar com reposição de ferro todas as mulheres com sangramento uterino anormal. Segundo a ginecologista do Einstein, ainda não existe nenhuma orientação ou diretriz no Brasil para o rastreio rotineiro de dosagem de ferro em todas as mulheres em idade reprodutiva, mas ela ressalta que existe um esforço principalmente no terceiro trimestre da gestação para que a mulher não vá para o parto com anemia nem deficiência de ferro. “O mundo ideal seria avaliar a anemia e o ferro de todas as nossas pacientes, mas nem sempre conseguimos fazer isso de forma generalizada. Temos aumentado muito os pedidos de exame de ferro e a procura pela anemia ferropriva, que é, sem dúvida, a principal causa de anemia no Brasil”, disse Beck. A anemia ferropriva é um problema de saúde pública mundial. A partir do momento em que ela foi diagnosticada e a causa foi identificada, o tratamento envolve a reposição de ferro com suplementação oral ou endovenosa, dependendo da gravidade do caso, além de uma dieta adequada principalmente baseada em carne, peixe e frango. Alguns vegetais também são ricos em ferro, mas, para melhor absorção pelo organismo, eles precisam de vitamina C. “O uso de panelas de ferro, por incrível que pareça, também pode ajudar”, completou Hamerschlak.