Depois do anúncio da vitória do “sim” no referendo venezuelano para a anexação da região de Essequibo, que pertence à Guiana, no domingo 3, a grande pergunta é o que virá a seguir.
O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, ressaltou que a vitória representa “o primeiro passo” para que a Venezuela lute pelo território que considera seu. Apesar do alerta ligado na América do Sul para a possibilidade de um conflito armado entre Caracas e Georgetown, analistas dizem que o movimento de Maduro ocorreu para desviar a atenção do público para a crise política e econômica no país, que terá eleições em breve.
O professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) e colunista do jornal O Estado de S. Paulo, Oliver Stuenkel, destacou em sua coluna que a votação é meramente simbólica. “O plebiscito é uma manobra clássica para inflamar o nacionalismo antes das eleições em 2024”, escreveu. “Cientes do risco de serem rotulados de traidores da pátria se criticassem a estratégia esdrúxula de Maduro de priorizar a retomada de Essequibo, oposicionistas não viram outra opção a não ser apoiar o autocrata venezuelano nesse quesito específico.”
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De acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, 95% da população optou pelo “sim” no plebiscito. Elvis Amoroso, presidente do órgão, informou que 10,5 milhões de pessoas participaram do pleito — uma adesão muito baixa à consulta, em um país que tem uma população eleitoral de 20,7 milhões de pessoas
A crise econômica da Venezuela e as concessões feitas por Maduro para a participação da oposição nas eleições marcadas para o ano que vem fizeram com que o regime buscasse meios para tentar oxigenar o seu movimento, avalia o professor de relações internacionais Leonardo Trevisan, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “Este plebiscito teve esse papel, de mobilizar a população. A existência de um inimigo externo é sempre um fator mobilizador”, acrescentou.
Qual é a possibilidade de um conflito armado entre Venezuela e Guiana?
A possibilidade de uma guerra iniciada por Caracas para a anexação de Essequibo é pequena, de acordo com Stuenkel, e teria um custo diplomático muito alto para o regime de Maduro. A Venezuela conta com a flexibilização das sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia para respirar economicamente. O alívio do pacote de sanções para o regime de Maduro ocorreu em um contexto de maior busca por petróleo, depois do início da guerra da Ucrânia, e foi condicionado à realização de eleições livres e justas no país em 2024.
“Para o regime venezuelano, o custo diplomático e econômico de uma guerra iniciada por Maduro seriam imensos, desde a reimposição de sanções amplas por parte de Washington até a condenação diplomática quase universal — inclusive na América Latina”, afirmou o professor de relações internacionais da FGV. “No caso pouco provável de um ataque militar por parte da Venezuela, a Guiana contaria com apoio de seus aliados, como os Estados Unidos, para preservar sua integridade territorial.”
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Georgetown avalia que Washington é um aliado próximo e considera a possibilidade de expandir a cooperação no setor de defesa com os EUA. Com uma população de um pouco mais de 800 mil pessoas e um poderio militar modesto, a Guiana admite o estabelecimento de uma base militar dos EUA em seu território. Os norte-americanos enviaram à Guiana chefes do Comando Sul das Forças Armadas para contribuir nos planos de defesa da nação sul-americana.
“Nunca estivemos interessados em bases militares, mas temos de proteger o interesse nacional”, declarou o vice-presidente de Guiana, Bharrat Jagdeo.
Neste momento, em caso de uma invasão venezuelana, um conflito representaria uma ameaça à soberania da Guiana, por causa das diferenças entre os contingentes dos dois países. Enquanto a Venezuela tem um efetivo de 123 mil pessoas, a Guiana tem um Exército de 3,4 mil soldados. “Estamos lidando com forças militares completamente diferentes”, observou Trevisan. “A Venezuela tem um armamento russo, com tecnologia avançada.”
Entenda a importância do petróleo no confronto
As reservas de petróleo no território da Guiana são um fator-chave para entender a disputa entre o único país de língua inglesa na América do Sul e a Venezuela. A descoberta de petróleo bruto no país em 2015 pela empresa americana do setor petrolífero ExxonMobil transformou a economia da Guiana. A ex-colônia britânica possui cerca de 11 bilhões de barris de reservas provadas de petróleo bruto, ou cerca de 0,6% do total mundial. A produção começou três anos atrás e agora está aumentando o ritmo.
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o país cresceu 62% no ano passado e deverá somar mais 37% este ano. Essa é a taxa de crescimento mais rápida em qualquer lugar do mundo.
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A situação do país vizinho é bem diferente, com o sucateamento da empresa estatal venezuelana de petróleo PDVSA, por causa de diversos casos de corrupção e mau gerenciamento. A capacidade de produção de petróleo da Venezuela caiu de 3,4 milhões de barris para apenas 700 mil por dia.
“As recentes descobertas de petróleo em Essequibo levaram Maduro a tentar resgatar uma narrativa de vitimização histórica, segundo a qual a nação foi roubada da riqueza que lhe pertence”, diz Stuenkel, em sua coluna. A região de Essequibo é rica em recursos naturais e representa dois terços do território da Guiana, além de ser o lar de 125 mil habitantes da ex-colônia britânica.
A disputa territorial teve origem no século 19, quando o Reino Unido reclamou a região que pertencia à Venezuela, recém-separada da Espanha, como parte de sua Guiana. Uma arbitragem internacional patrocinada pelos EUA lhe deu razão em 1899. O resultado foi contestado pela Venezuela e nova discussão ocorreu em 1966, em Genebra, quando a Guiana se tornou independente.
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Os países assinaram o Acordo de Genebra, para buscar uma solução para o conflito fronteiriço, reconhecendo a existência de uma controvérsia decorrente da sentença de 1899. Contudo, as tratativas associadas a esse acordo continuaram a se desdobrar ao longo do tempo, sem que se alcançassem resultados concretos.
A Corte Internacional de Justiça (CIJ), com sede em Haia, determinou na sexta-feira passada, 1º, que a Venezuela deve evitar qualquer iniciativa que comprometa o statu quo com a Guiana. A decisão do CIJ respondeu a um pedido da Guiana ao alto tribunal para que ordenasse “urgentemente” a paralisação do plebiscito venezuelano. O Tribunal de Haia se pronuncia sobre litígios entre Estados e suas decisões são juridicamente vinculantes, mas a Corte não tem o poder para fazer com que Caracas cumpra o veredito.
Brasil em compasso de espera
Considerado um aliado da ditadura venezuelana e incentivador para uma reaproximação dos países da América do Sul com Maduro, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou que a região não precisa de “confusão” e que é preciso “baixar o facho”, no domingo 3, durante entrevista coletiva em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, onde participou da Conferência do Clima (COP28) da Organização das Nações Unidas (ONU).
“Espero que o bom senso prevaleça do lado da Venezuela e do lado da Guiana”, disse o presidente do Brasil.
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O Ministério da Defesa intensificou a presença militar na tríplice fronteira em Roraima e afirmou que monitora a crise. O presidente brasileiro informou que conversou por telefone com o presidente da Guiana, Irfaan Ali.
Para o professor de relações internacionais da FGV, o referendo de Maduro funcionou como um “tapa na cara” do governo brasileiro por ter o potencial de afetar a imagem internacional da região, que se mostrou mais estável geopoliticamente, na comparação com outras regiões do globo. “Vale lembrar que, sobretudo desde a invasão russa à Ucrânia, a América Latina tornou-se mais atraente para investidores simplesmente por estar geograficamente afastada de qualquer tensão geopolítica”, disse.
Revista Oeste, com informações da Agência Estado