“A tarifa da Sabesp, hoje, ela vai subir ao longo do tempo. O que a gente garante nessa operação é que ela vai subir em um valor menor.” A afirmação representa uma mudança no discurso da gestão estadual, que vinha sustentando o projeto como forma de viabilizar redução na tarifa. No início da ano, o próprio governador defendeu que a proposta implicaria na redução do valor. Histórico O projeto de lei foi aprovado pela Assembleia Legislativa na semana passada, em votação tumultuada, marcada protestos contrários à proposta. Embora já sancionado, para ser de fato viabilizado, a privatização também precisa passar pela Câmara de São Paulo. Ele terá que ser aprovado pelos vereadores, uma vez que a capital paulista representa 44,5% do faturamento da companhia. Pela lei municipal, qualquer mudança no controle acionário da Sabesp faz com que a Prefeitura de São Paulo volte a assumir o serviço de água e esgoto na cidade. Além de São Paulo, o governador afirmou que também conversará com os demais 374 municípios atendidos pela Sabesp para a renovação do contrato de concessão até 2060, “garantindo a inclusão dos mais pobres e os investimentos necessários para a universalização”. Na prática, a privatização não deverá sair do papel antes do primeiro semestre de 2024. Poucas ou nenhuma empresa teria interesse de comprar a Sabesp sem a fatia da capital. “Os agentes econômicos, as empresas que quiserem se associar a Sabesp vão ter um prejuízo enorme, porque São Paulo representa 44% do faturamento da Sabesp, que inviabiliza na prática. Agora o projeto de lei ele vai ser aprovado, fica autorizada a privatização, mas ela perde fôlego, perde importância no processo”, diz o vereador Celso Giannazi (PSOL). O governo de São Paulo até pode abrir edital, mas para que o saneamento da cidade de São Paulo faça parte, a lei municipal precisa ser alterada pelos vereadores na Câmara. Pela lei municipal atual, o contrato entre a cidade de São Paulo se desfaz automaticamente com a mudança no controle acionário, ou seja, com a privatização. “Art. 2º. Os ajustes que vierem a ser celebrados pelo Poder Executivo, com base na autorização constante do ‘caput’ do art. 1º, serão automaticamente extintos se o Estado vier a transferir o controle acionário da SABESP à iniciativa privada”, diz o artigo que rompe o contrato. Uma vez desfeito, a capital terá que criar uma nova empresa de saneamento. A Sabesp deixa de fazer esse serviço. Atualmente, o tema está apena em discussão no legislativo municipal. Após a aprovação do orçamento municipal em primeira votação, o presidente da Câmara, o vereador Milton Leite (União Brasil), orientou que fosse incluída, antes do texto ir para a segunda votação, uma rubrica com a previsão orçamentária para criar uma empresa de saneamento para a cidade, caso seja necessário. Sabesp — Foto: Edi Sousa/Ato Press/Estadão Conteúdo Outro caminho é alterar a lei e permitir que o serviço seja privatizado. Tudo isso ainda precisa ser articulado na Casa para que o projeto de Tarcísio, de fato, saia do papel. Vereadores da oposição falaram ao g1 que não vão aprovar o orçamento sem que seja incluído recurso para que a cidade assuma o serviço de saneamento. “Vamos lutar para que o orçamento tenha a rubrica de previsão para a criação de uma empresa de saneamento. Achamos que o saneamento tem que ser gerenciado por uma empresa pública”, disse Silvia Ferraro (PSOL), da bancada feminista. Questionada na Justiça A privatização da Sabesp ainda pode ser questionada na Justiça. Deputados da oposição questionam o fato de que a privatização está sendo votada como projeto de lei e não como uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Para o professor de Direito Administrativo da USP Gustavo Justino de Oliveira, o processo de votação tem “vícios de inconstitucionalidade”. A Constituição do estado de São Paulo determina que os serviços de saneamento básico sejam prestados por concessionária sob controle acionário do estado. Então, para a desestatização, seria necessário alterar o texto constitucional, já que o processo de venda faria com que o estado perdesse a condição de acionista majoritário. “A Sabesp é uma empresa essencial ao setor de saneamento no estado mais populoso do país, e uma desestatização às pressas pode ser contraproducente à medida que o rito do PL é muito mais simplificado em detrimento do rito de aprovação de uma PEC”, afirma. De acordo com o parágrafo segundo do artigo 216, “o Estado assegurará condições para a correta operação, necessária ampliação e eficiente administração dos serviços de saneamento básico prestados por concessionária sob seu controle acionário”. “Caso o projeto seja aprovado, iremos aguardar a sanção do governador para judicializar via Ação Direta de Inconstitucionalidade”, diz o deputado Guilherme Cortez (PSOL). Proposta A privatização da empresa já foi tratada de diferentes formas pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Durante a campanha eleitoral, ele defendeu o estudo da proposta, mas, horas após ser eleito, mudou de tom e passou a afirmar que ela seria “a grande privatização do estado”. Movimentos sociais contrários a privatização da Sabesp discutem com deputado na Alesp. O modelo proposto pelo governo paulista prevê investimentos de R$ 66 bilhões até 2029, o que representa R$ 10 bilhões a mais em relação ao atual plano de investimentos da Sabesp, e uma antecipação da universalização do saneamento, de 2033 para 2029. Os investimentos incluem, além da universalização dos serviços, obras de dessalinização de água, aportes na despoluição dos rios Tietê e Pinheiros, e ainda intervenções de prevenção em mudanças climáticas. Quem é a Sabesp A Sabesp é uma empresa de economia mista, ou seja, o controle é do estado, que tem 50,3% do seu capital social, mas outra parte é negociada em ações nas Bolsas de Valores de São Paulo e Nova York. Sua oferta inicial pública de ações (IPO, na sigla em inglês) foi feita em 2002. Ela é considerada uma das maiores companhias de saneamento do mundo e atende 375 municípios paulistas, onde vivem 28,4 milhões de pessoas. Já foi finalista de premiações, como o “Global Water Awards”, e é reconhecida internacionalmente pela contribuição significativa para o desenvolvimento internacional do setor de água. Também presta serviços de água e esgoto em parceria com empresas privadas para outros quatro municípios paulistas: Mogi-Mirim, Castilho, Andradina e Mairinque. É composta por mais de 12 mil funcionários e tem valor de mercado estimado em R$ 39 bilhões. No ano passado, anunciou lucro de R$ 3,12 bilhões, 35% superior aos R$ 2,3 bilhões de 2021.