A professora e pesquisadora Maria Caramez Carlotto, da UFABC (Universidade Federal do ABC), em São Paulo, foi reprovada em um processo seletivo de bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq com a justificativa de não ter realizado pós-doutorado no exterior e por engravidar. Maria é mãe de duas crianças e afirmou que o conselho recusou a bolsa de estudos sob a alegação de que “gestações atrapalham” algumas iniciativas da carreira. “Resultado preliminar da bolsa produtividade do CNPq: reconhece minha carreira, mas aponta que não fiz pós-doutorado fora. Pandemia? Governo Bolsonaro? Não… ‘Provavelmente suas gestações atrapalharam essas iniciativas, o que poderá ser compensado no futuro.. Vontade de chorar”, escreveu no X, antigo Twitter. Junto a esse parecer, veio outro, “muito favorável”, porém Maria contou que foi “totalmente desconsiderado”. Dessa forma, o laudo negativo foi ponderado pela agência, em detrimento do outro, que era favorável. O CNPq repudiou o ocorrido após a repercussão do relato nas redes sociais e classificou a avaliação de preconceituosa, apesar de a própria ter sido a responsável pela resposta. Em nota, a agência disse estar ciente do ocorrido e afirmou que o juízo é “inadequado”, tanto porque um estágio no exterior não é requisito como por ser “preconceituoso com as circunstâncias associadas à gestação”. • Clique aqui e receba as notícias do R7 no seu WhatsApp • Compartilhe esta notícia pelo WhatsApp • Compartilhe esta notícia pelo Telegram • Assine a newsletter R7 em Ponto Conforme o currículo disponível na plataforma Lattes, Maria é formada em ciências sociais pela USP (Universidade de São Paulo), com mestrado em sociologia, também na USP, sobre a nova Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e seus efeitos sobre o sistema nacional de pesquisa e inovação. Entre 2010 e 2011, realizou um estágio na Université de Paris IV-Sorbonne, na área de sociologia do conhecimento. Em 2014, defendeu o doutorado no programa de pós-graduação em sociologia da USP. Hoje, é professora de bacharelado em ciências e humanidades, de bacharelado em relações internacionais e do programa de pós-graduação em economia política mundial da UFABC, onde coordena o grupo Neoliberalismo, Democracia e Mudança Estrutural do Espaço Intelectual Brasileiro. Segundo a agência, a avaliação tratou-se de um parecer ad hoc, que é emitido por especialistas, respeitando o sigilo da autoria, mas que não é corroborado pelo comitê assessor responsável pelo julgamento. Ele serve como subsídio para esse último, mas pode ser ignorado. “O CNPq tem como valores a busca de maior inclusão considerando dimensões de gênero, étnico-raciais e assimetrias regionais e não tolera atitudes que expressem preconceitos de qualquer natureza, sejam eles de gênero, raça, orientação sexual, religião ou credo político. Por essa razão, a agência instruirá seu corpo de pareceristas para maior atenção na emissão de seus pareceres e a Diretoria Científica levará este caso concreto à Diretoria Executiva do CNPq para o exame das providências cabíveis”, informou, em nota. Nas redes sociais, Maria classificou o posicionamento do CNPq de importante, mas não desconsidera sua frustração. “O CNPq me incentivou a submeter um projeto pós-licença-maternidade e me submeteu, depois, a uma violência de gênero”, relatou. “O que mais me incomodou nesse processo é que, no caso da minha área, a sociologia, havia um incentivo para mulheres mães submeterem projetos por uma suposta compensação das licenças-maternidade. Como, então, os pareceristas não foram minimamente treinados e letrados?”, questionou. “Mesmo que eu use o meu direito ao recurso, isso não apaga a violência cometida. E, de novo, não é sobre mim e sobre este caso, que não deve ser isolado, mas sobre como vamos construir editais realmente abertos a mulheres, especialmente aberto a mulheres mães”, escreveu a professora. Nesta quinta-feira (28), a UFABC disse estar “perplexa” e “indignada” com o que a professora da instituição havia passado, em nota assinada pela reitoria. “A UFABC discorda veementemente do exposto no parecer e rejeita de forma decidida e absoluta qualquer postura que reitere a perpetuação de estereótipos prejudiciais e discriminatórios em relação às mulheres e às mães envolvidas em pesquisas acadêmicas.” “Não é factível que a maternidade seja encarada como um obstáculo à excelência acadêmica — ao contrário, é preciso que a maternidade e a parentalidade sejam reconhecidas como vivências enriquecedoras capazes de contribuir para a diversidade e a ampliação de perspectivas críticas no âmbito da pesquisa, do ensino, da extensão e da vida universitária”, diz o informe. CONFIRA: Livros digitais, Enem ‘ideológico’ e ‘masturbação coletiva’: polêmicas que marcaram a educação em 2023