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Número recorde de imigrantes na fronteira dos Estados Unidos atola o sistema

por The New York Times Miriam Jordan
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Durante décadas, os homens jovens solteiros, principalmente mexicanos e, depois, centro-americanos, faziam de tudo para driblar os agentes de fronteira norte-americana e chegar a Los Angeles, Atlanta e outras cidades, desesperadas por mão de obra. Hoje, gente do mundo inteiro se dirige para lá, principalmente em busca de trabalho – mas, em vez de tentar enganar as autoridades, a grande maioria sai à procura dos oficiais, às vezes esperando horas ou dias em acampamentos improvisados para se entregar.

Mas ser colocado no carro da Patrulha de Fronteira dos EUA e levado a um dos centros de processamento não é considerado um revés; de fato, é um passo essencial de qualificação para requerer asilo – atualmente, a maneira mais garantida para o imigrante conseguir ficar, ainda que poucos tenham o pedido deferido.

Estamos vivendo em uma era de imigração em massa, estimulada por conflitos, pela mudança climática, pela pobreza e pela repressão política, e encorajada pela proliferação de vídeos no TikTok e no YouTube mostrando a jornada dos que se arriscam. Cerca de seis milhões de venezuelanos já deixaram a problemática terra natal, constituindo o maior desalojamento populacional da história latino-americana moderna; africanos, asiáticos e sul-americanos estão hipotecando o imóvel da família, vendendo o carro e/ou pedindo dinheiro emprestado de agiotas para embarcar na viagem longa e perigosa que os leva aos EUA.

Só em dezembro, mais de 300 mil cruzaram a fronteira meridional, número considerado recorde. E não é só porque acham que vão transpor algum ponto dos mais de 3.200 quilômetros que separam as duas nações; essas pessoas também têm plena certeza de que, uma vez que estiverem no país, vão poder ficar. Para sempre.

De modo geral, não estão erradas. Os norte-americanos até tentam fazer o sistema funcionar, mas com uma fração dos juízes, servidores, intérpretes e outros funcionários necessários para lidar com as centenas de milhares que todo ano cruzam a fronteira e se espalham pelas cidades – e é esse descompasso que praticamente impossibilita às autoridades decidir rapidamente quem pode permanecer e quem deve voltar para casa. “Não conheço ninguém que tenha sido deportado”, afirmou a colombiana Carolina Ortiz, de 40 anos, em entrevista concedida no fim de dezembro em um acampamento na periferia de Jacumba Hot Springs, pouco menos de cem quilômetros a sudeste de San Diego e a um pulo da imensa barreira cor de ferrugem que ali separa os EUA do México.

Para os imigrantes, os EUA representam a terra das oportunidades. Muitos chegam à procura de trabalho e fazem o que for necessário para dar certo, mesmo que isso implique entrar com um pedido de asilo pouco convincente, segundo diversos advogados. Isso porque, para se qualificar, é preciso convencer o juiz de que a volta para casa resultaria em risco ou até perda da vida por causa de raça, religião, opinião política ou associação a determinado grupo social.

Ortiz explicou que sua intenção é fazer a requisição baseada na violência de seu país. As chances de ter seu pedido aprovado são mínimas, pois geralmente a justificativa por si só não se encaixa na definição de perseguição. Mesmo assim, não poderá ser deportada enquanto o pedido estiver sendo analisado e vai se qualificar para obter uma permissão de trabalho. Como os tribunais recebem poucos investimentos e uma montanha de pedidos, os gargalos são inevitáveis e casos se arrastam durante anos; enquanto isso, os requerentes vão construindo a vida na nova terra.

Ela, que é enfermeira, contou que pegou “milhões” de pesos colombianos emprestados (vários milhares de dólares) para pagar os coiotes que a deixaram à porta dos EUA, um buraco no muro defendido pelo ex-presidente Donald Trump. Passou dois dias no frio, com os ventos do deserto castigando sua barraca, esperando que os agentes chegassem – e, quando finalmente apareceram, levaram-na a um centro de triagem onde recebeu uma declaração oficial de que tinha entrado no país de forma ilegal, dando assim início ao procedimento de deportação.

Foi informada de que teria de comparecer perante um juiz em 19 de fevereiro de 2026, recebeu um número de protocolo para acompanhar o andamento do caso e, a seguir, liberada. Em sua opinião, estava tudo indo bem, de acordo com o plano. “Eu queria fazer tudo do jeito certo”, afirmou ao chegar ao Colorado, dias depois.

A maioria dos pedidos é rejeitada, mas, mesmo quando esse é o caso, normalmente depois de vários anos, é altamente improvável que a deportação seja efetivada. A verdade é que, com milhões de pessoas em situação irregular no país, as autoridades dão prioridade à detenção e expulsão dos que cometeram crimes graves e representam uma ameaça à segurança pública.

Quase dois milhões e meio atravessaram a fronteira meridional no ano fiscal de 2023, número superior ao da população de grande parte das cidades norte-americanas, o que torna a questão ainda mais polêmica – para prefeitos e governadores que têm de lidar com esse fluxo enorme, e para os líderes republicanos, doidos para jogar a responsabilidade sobre Biden, que tenta a reeleição.

Como o presidente da Câmara, Mike Johnson, que fez carreira no estado da Louisiana e insiste em dizer que nada deveria ser mais importante para os EUA do que a segurança. “É preciso insistir para que a fronteira seja a prioridade número um”, declarou ele à imprensa em janeiro, depois de uma reunião com outros líderes da casa e Biden.

Este se mostrou disposto a acatar a maioria das exigências da oposição, embora a perspectiva de chegada a um acordo tenha diminuído depois que Trump, favorito à indicação à candidatura à presidência republicana, se revelou terminantemente contra os termos. Entretanto, alguns defensores de medidas mais severas admitem que só a repressão não basta. “Temos de ter mais agentes na região, uma infraestrutura mais robusta, mas isso não resolve a situação. É preciso entender que ela é complexa e vai além do que está acontecendo na fronteira”, disse Michael Neifach, especialista em segurança e principal assessor legal da agência de Imigração e Alfândega durante o governo de George W. Bush.

O sistema de imigração norte-americano não passa por uma atualização há quase 40 anos, e faz pelo menos dez que republicanos e democratas se dedicaram a uma negociação conjunta séria para tentar fazer mudanças abrangentes. Hoje, porém, estimular a preocupação e o medo se tornou parte essencial da cartilha política de Trump e vários republicanos. O problema é que pedem mais policiamento e vigilância sem falar uma palavra sobre a estrutura engessada e pouco eficiente. “Os políticos querem verba para mais agentes, mais muros e outros detalhes mais visíveis da segurança, mas, enquanto não houver recursos para os outros aspectos da questão, o problema não vai ser solucionado”, afirmou Doris Meissner, diretora do programa nacional de políticas imigratórias do think tank apartidário Migration Policy Institute e ex-diretora do Serviço Norte-Americano de Imigração e Naturalização.

Em uma estrutura funcional, os estrangeiros que pretendem pedir asilo seriam entrevistados na fronteira para avaliar o perigo que enfrentariam se voltassem para a terra natal. Aliás, deveria ser o primeiro passo do processo, e aqueles que não tivessem uma justificativa plausível seriam deportados sumária e rapidamente.

Cerca de 500 entrevistas estão sendo feitas diariamente – e, apesar de ser um número recorde, representa apenas uma fração mínima dos que estão chegando, ou seja, no mínimo, cinco mil. Destes, boa parte nem chega a ser submetida à avaliação inicial; são liberados com a data da audiência em uma cidade, geralmente em alguns anos.

Se o imigrante disser aos juízes que vive em uma pobreza desesperadora e está ali em busca de emprego, pode ser deportado em um piscar de olhos; é por isso que pede asilo, sabendo que é o que lhe dá uma chance de ficar. De acordo com a lei norte-americana, o requerente pode permanecer no país pelo menos até a conclusão do caso. Em 2012, havia 300 mil pendências em todo o território nacional; hoje, esse número corresponde só às do estado de Nova York. No total, há mais de três milhões de casos parados na justiça, um milhão a mais do que no ano passado.

É verdade que agora há 800 juízes – em 2020 havia 520 –, mas esse aumento se deu depois de anos de inércia e, no mesmo período, o volume do acúmulo explodiu, segundo o Transactional Records Access Clearinghouse (Trac), grupo de pesquisa da Universidade de Syracuse. Mesmo com mais magistrados, um caso pode levar anos para ser decidido. O Serviço de Pesquisa do Congresso calcula que seriam necessários mais mil profissionais para zerar a acumulação – e, mesmo assim, só em 2032.

A advogada de imigração da Carolina do Norte Katy Chavez contou que, até alguns anos atrás, recebia alguns telefonemas por ano de gente procurando seu serviços em casos de asilo, mas agora são quase 25 por mês, muitos de pessoas que fugiram de uma situação econômica duríssima. “Ligam porque querem permissão para trabalhar; na verdade, nem sabem o que é asilo.”

c. 2024 The New York Times Company

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