Lar Mundo Em Nova York, famílias se unem para acolher imigrantes despejados

Em Nova York, famílias se unem para acolher imigrantes despejados

por The New York Times Jay Root
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A missão de resgate das famílias de imigrantes começou com um pedido simples, mas incomum, pouco antes do Natal, feito no WhatsApp do grupo de pais dos alunos bilíngues do segundo ano da Escola Pública 139, no Brooklyn. “Olá, pessoal”, começava em espanhol. “Tem alguém que poderia me dar duas malas grandes?” A seguir, a mulher que a enviou, Suerkis Polanco, explicou que a família não tinha um centavo e deveria ser despejada da “chete” em que estava no início de janeiro.

Um pai que falava espanhol escreveu dizendo que tinha só uma, que poderia doar, mas primeiro queria saber o significado de “chete”; várias pessoas responderam dizendo que era a versão fonética em espanhol para “shelter” (abrigo).

O que aconteceu a seguir reforça os inúmeros gestos invisíveis e não divulgados que o nova-iorquino médio vem fazendo todos os dias para ajudar a amenizar o caos da imigração que comprometeu o orçamento e a política do município ao longo do último ano: abrindo a carteira, as portas da própria casa, comprando cestas básicas, remexendo nos armários lotados, dando carona, doando tempo – e até remédios.

Para Polanco, de 33 anos, que pediu as malas, o relógio da crise começou a andar no início de novembro, quando bateram à porta de seu quarto no Brooklyn Vybe Hotel, em Flatbush, que estava abrigando cerca de 200 imigrantes, para lhe entregar um aviso de despejo que se daria em dois meses. Escrito em espanhol, o folheto a encorajava a explorar “outras redes” de ajuda e oferecia “a viabilização do transporte para outro destino”. O coração lhe apertou no peito.

Não que ela não esteja acostumada a dificuldades; ao lado do companheiro e da filha de oito anos, saiu da Venezuela e atravessou a perigosa Região de Dárien que divide as Américas do Sul e Central no início de 2023 e vendeu doces nas ruas do Panamá para conseguir o dinheiro para a viagem à fronteira do México com os EUA. Passaram a integrar o sistema de abrigos da cidade de Nova York em meados do ano passado e acreditavam ter finalmente conseguido concretizar seu objetivo.

Receberam a notícia do despejo justo quando a filha, Camila, menina ativa que solta palavras aleatórias em inglês com um forte sotaque norte-americano, finalmente estava se adaptando à nova vida. Sabiam que não teriam condições de ficar nas proximidades do abrigo, em Ditmas Park, bairro famoso pelas ruas arborizadas, pelo ambiente sossegado e pelas casas vitorianas – mas para onde iriam? Como chegariam lá?

Um fio de esperança surgiu em 19 de dezembro, quando Polanco finalmente reuniu coragem para pedir as malas. De repente, naquela bolha em pleno centro do Brooklyn, muitos pais se depararam com as consequências duras da política de despejo que o prefeito Eric Adams tinha posto em prática, forçando as famílias a se reinscrever no sistema de acomodação depois de 60 dias.

Um grupo de pais começou uma campanha do agasalho e a organizar a entrega de quentinhas para compensar a alimentação inadequada do hotel, mas a questão mais preocupante para Polanco e várias outras famílias era encontrar uma maneira de permanecer perto de uma das poucas fontes de estabilidade que tinham: a escola dos filhos. “A escola é um oásis essencial; é o centro da comunidade. Se quisermos que esse pessoal se dê bem na cidade, precisamos acolhê-los na comunidade, e não ignorar os laços que criamos nos últimos meses”, afirmou Holly Spiegel, que tem filhos na EP 139 e é uma das responsáveis pela assistência aos imigrantes.

A família de Polanco foi agraciada com um golpe de sorte no ano novo, quando a Prefeitura adiou o despejo para dia 21 de janeiro, o que deu aos organizadores tempo para abrir uma página no site de financiamento coletivo GoFundMe intitulada “Ajude as famílias dos abrigos a garantir moradia!”, culpando as “mudanças cruéis” do prefeito nas leis municipais de direito a abrigo da cidade pelos despejos iminentes.

O governo Adams e alguns membros do alto escalão democrata não concordam com a aplicação da lei para os imigrantes recém-chegados, pois dá margem para ser interpretada na base do “chegou, pediu, levou”. Entretanto, entre os pais dos alunos do segundo ano da sala de Camila e muitos outros, a vaquinha foi bem aceita: com dois dias no ar, na véspera do despejo, já tinham sido arrecadados US$ 15 mil. No dia seguinte, três famílias de imigrantes saíram do Brooklyn Vybe para entrar nos carros dos pais da escola que as aguardavam.

Bianca Bockman levou três pessoas ao centro de Manhattan, mais especificamente ao Roosevelt Hotel, principal centro de processamento, onde deveriam entrar com nova requisição de abrigo. Sua filha, Amí, está na mesma aula bilíngue que Camila e outras duas crianças estrangeiras. Hispanófona e filha de imigrantes colombianos, ela pediu a Laura Sosa, sua filha, Megan – que estavam em seu carro –, e a outras famílias despejadas que se encontravam ali que mandassem mensagens de hora em hora.

Lá dentro, segundo Sosa e Polanco, os funcionários garantiram que fariam todo o possível para lhes arranjar moradia perto da escola das crianças, de modo a não prejudicar as aulas; entretanto, conforme o dia foi passando, o tom e a previsão foram mudando. Uma das mães que também tem um filho na EP 139 recebeu uma oferta de ir para o Queens. “Quando a mulher questionou por que estava sendo mandada para tão longe, a atendente lhe disse que as ordens ‘lá de cima’ eram bem diferentes da ‘realidade do que se passa aqui'”, contou Sosa.

Os pais de Ditmas Park não gostaram nem um pouco, e decidiram abrir a casa temporariamente para os imigrantes. “Nós os aconselhamos a cancelar a entrada no processo e voltar; demos um jeito, e eles vieram para cá”, explicou Bockman, que acomodou duas famílias naquela noite, enquanto Spiegel recebeu a de Polanco. À meia-noite, o GoFundMe bateu nos US$ 17 mil.

Na manhã seguinte, a página foi atualizada, informando que os imigrantes tinham decidido ficar com três famílias do bairro. “Não sabemos até quando a solução será viável, mas pelo menos estamos felizes de saber que encontramos um bom lugar para ficarem.”

A essa altura, as doações já tinham dobrado, chegando perto de US$ 30 mil; uma semana depois, superaram a marca dos US$ 50 mil, mais da metade do objetivo final, que era de US$ 80 mil.

No fim de janeiro, duas famílias ofereceram espaço – um porão e um apartamento em uma casa de três andares – para o grupo, garantindo assim a permanência no bairro e na escola 139 pelo menos até o fim do ano letivo, em junho. Uma das famílias já se mudou. Sosa e Polanco passarão a dividir as acomodações em Flatbush a partir do fim de fevereiro. Em longo prazo, seu futuro é incerto, mas pelo menos por enquanto elas têm um lugar para morar.

c. 2024 The New York Times Company

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