A guerra na Ucrânia completa dois anos neste sábado (24). Os ucranianos enfrentam uma rotina de bombardeios e destruição desde a madrugada de 24 de fevereiro de 2022, quando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, autorizou uma operação militar na região separatista no leste ucraniano, nas cidades de Lugan e Donetsk.
O último relatório da Missão de Monitorização dos Direitos Humanos da ONU na Ucrânia (HRMMU), divulgado na quarta-feira (21), contabilizou 30.457 vítimas civis desde o início da guerra, incluindo 10.582 mortos e 19.875 feridos. De acordo com as Nações Unidas, os números reais de mortos e feridos provavelmente são maiores.
Um dos primeiros reflexos da guerra na Ucrânia foi a tentativa desesperada de milhões de pessoas de deixar o país. Em menos de uma semana, mais de 1 milhão de ucranianos já haviam procurado nações vizinhas, como a Polônia e a Romênia. Segundo a ONU, pelo menos 6,5 milhões de pessoas saíram da Ucrânia por causa da guerra. Logo no início do conflito, o Brasil concedeu, em março de 2022, 74 vistos e 27 autorizações de residência humanitária a ucranianos.
O grande estopim para a guerra foi a tentativa de Kiev de aderir à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). A aliança do Atlântico, que tem como grande financiador e comandante os Estados Unidos, estava muito próxima do governo do presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, quando a guerra começou. Os ensaios negativos do presidente da Rússia, Vladimir Putin, à entrada da Ucrânia na Otan se iniciaram nos últimos meses de 2021 e eclodiram no final de fevereiro, quando a guerra começou.
Entretanto, o impasse entre a Rússia e a Ucrânia, em especial durante o governo de Zelenski, teve como primeiro ponto crítico a anexação da Crimeia, realizada pelas Forças Armadas russas oito anos antes, em 2014.
Sem grande resistência, Moscou garantiu a anexação da península ao sul do território ucraniano. Ao mesmo tempo em que a Crimeia passou ao controle de Moscou, grupos separatistas pró-Rússia decidiram exigir a independência das regiões de Donetsk e Lugansk, estabelecidas no Donbass, região mais ao oeste da Ucrânia.
Crise global
A guerra causou uma crise alimentar global com a disparada nos preços de vários itens. O encarecimento dos alimentemos pode arrastar 10 milhões de pessoas a mais para uma situação de insegurança alimentar, segundo as primeiras estimativas do Tesouro dos Estados Unidos.
Como Rússia e Ucrânia são grandes produtores, principalmente, de commodities — mercadorias primárias de origem agrícola, pecuária, mineral que servem de matéria-prima para a produção industrial — a guerra provocou uma queda na oferta mundial de alimentos e agravou a inflação, que já vinha alta diante do cenário de abertura do pós-pandemia.
• FEVEREIRO DE 2024:
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu, nessa quinta-feira (22), o chanceler russo, Sergey Lavrov, no Palácio da Alvorada, em Brasília. Na reunião, a autoridade da Rússia expôs as posições em relação ao conflito na Ucrânia, ao passo em que o brasileiro defendeu novamente a “posição de que o Brasil continua disposto a colaborar com os esforços em favor da paz na região”.
Na última sexta-feira (23) o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou um novo pacote de mais de 500 sanções contra a Rússia. A Casa Branca afirmou em nota que a medida é em retaliação à invasão russa ao país vizinho e à morte do ativista opositor de Putin, Alexei Navalny. Ele estava em uma prisão conhecida como ‘Lobo Polar’, no ártico da Rússia e morreu no último dia 16 aos 47 anos. Navalny cumpria pena de 19 anos de prisão.
Este não é o primeiro pacote de sanções impostas pelos EUA e pela União Europeia. Desde o início da guerra, a Rússia vem sendo sancionada pelo Ocidente. Além disso, diversas multinacionais encerraram suas atividades no país.
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• JANEIRO DE 2024:
As duas maiores cidades da Ucrânia foram alvos de novos ataques russos. Os bombardeios deixaram ao menos quatro mortos e mais de 60 feridos. Moradores da capital Kiev e de Kharkiv buscaram abrigo em estações de metrô.
• DEZEMBRO DE 2023:
Dez pessoas morreram e 45 ficaram feridas durante um ataque ucraniano a Belgorod, cidade russa situada a cerca de 30 km da fronteira com a Ucrânia, afirmaram as autoridades de Moscou. Mais cedo, Zelensky tinha afirmado que seu país responderia ao maior ataque aéreo já feito pela Rússia desde o início da guerra.
No mesmo mês, cerca de 160 mísseis e drones russos atingiram diversas cidades ucranianas, matando 39 pessoas e deixando 159 feridas, ação que Kiev classificou como o maior ataque desde o começo da guerra, em fevereiro de 2022.
Os Estados Unidos anunciaram o desembolso de US$ 250 milhões em ajuda militar à Ucrânia. Zelensky encontrou-se com Biden no dia 12, em Washington, e tentou convencer os congressistas americanos, principalmente os republicanos, a aprovar mais um pacote de ajuda.
Do lado russo, Putin afirmou que 95% das forças nucleares estratégicas da Rússia são compostas de equipamentos militares modernos e anunciou mais atualizações. O presidente russo disse ainda que cerca de 15 sistemas de lançamento de mísseis nucleares Yars e Avangard entrariam em serviço, sem especificar quando.
Em uma rara divulgação de informações sobre efetivo da guerra na Ucrânia, Putin afirmou que a Rússia tinha mais de 600 mil militares atuando nos combates.
• NOVEMBRO DE 2023:
A Rússia criticou um discurso de Biden, no qual chamou Putin de “tirano” e equiparou Moscou ao grupo terrorista Hamas. Biden prometeu que os EUA continuarão apoiando Israel e Ucrânia contra o Hamas e a Rússia, respectivamente. Segundo ele, procuram “aniquilar completamente uma democracia vizinha”.
• SETEMBRO DE 2023:
Zelensky afirmou que a Rússia está realizando um “genocídio” com o sequestro de crianças, em um clamor por solidariedade diante da Assembleia-Geral das Nações Unidas. “Na Rússia, eles ensinam essas crianças a odiar a Ucrânia e a romper todos os laços com suas famílias. E isso é claramente um genocídio”, declarou.
As autoridades eleitorais da Rússia promoveram disputas regionais em áreas ocupadas ilegalmente da Ucrânia, como as anexadas de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhzhia, além da Crimeia, península ao sul do país incorporada em 2014. O Conselho da Europa, o principal órgão de defesa dos direitos humanos do continente, se manifestou contrário ao pleito: “Constitui uma flagrante violação do direito internacional, que a Rússia continua a desrespeitar”.
• AGOSTO DE 2023:
O Comitê de Investigação criado pela Rússia para investigar o acidente aéreo que matou dez pessoas nos arredores de Moscou confirmou que Yevgeny Prigozhin, líder do grupo paramilitar Wagner, estava entre as vítimas.
Fundador do grupo paramilitar Wagner, Prigozhin, que tinha 62 anos, liderou um motim contra os principais comandantes do Exército da Rússia entre os dias 23 e 24 de junho, o que fez Putin classificar como uma tentativa de golpe, que poderia levar a uma guerra civil no país.
A rebelião terminou com negociações e com um aparente acordo com o Kremlin, que determinou que Prigozhin passaria a viver em Belarus, país que faz fronteira com a Rússia e cujo presidente é aliado de Putin. Mas o líder mercenário apareceu algumas vezes, com trânsito livre, na Rússia, apesar do acordo.
O brasileiro Antônio Hashitani, de 25 anos, morreu em combate na Ucrânia. Antônio era paranaense, cursava medicina na PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) e foi voluntário para atuar na guerra no Leste Europeu. A morte do estudante teria acontecido em Bakhmut, a cerca de 600 quilômetros da capital Kiev, uma das regiões de intensa disputa entre russos e ucranianos.
Desde o início da guerra, outros três brasileiros morreram na Ucrânia: André Luiz Hack Bahi, de 43 anos; Douglas Búrigo, de 40; e Thalita do Valle, de 39.
• ABRIL DE 2023:
O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, viajou para Kiev sem aviso prévio, informou a mídia ucraniana. A Otan prometeu apoiar a Ucrânia em sua luta contra a Rússia.
• MARÇO DE 2023:
O secretário-geral da ONU, António Guterres, foi a Kiev para se encontrar com Zelenski. Foi a terceira visita de Guterres à Ucrânia desde o início da invasão. O secretário se encontrou com o chefe de Estado ucraniano para discutir a continuação do acordo sobre as exportações de cereais.
A Rússia anunciou a saída do Conselho da Europa, organização de direitos humanos com sede em Estrasburgo, na França. Moscou já estava suspensa da entidade desde 25 de fevereiro por conta da invasão da Ucrânia.
• FEVEREIRO DE 2023:
A Assembleia Geral da ONU aprovou por ampla maioria uma resolução exigindo a “retirada imediata” das tropas russas da Ucrânia para encerrar a guerra. Com 141 votos a favor, 7 contra (Rússia, Belarus, Coreia do Norte, Eritreia, Nicarágua, Mali e Síria) e 32 abstenções, a comunidade internacional aprovou a resolução “Princípios da Carta das Nações Unidas sobre os quais baseia-se uma paz abrangente, justa e duradoura na Ucrânia”.
Na resolução patrocinada por dezenas de países e diante da abstenção da China, o fórum da ONU reiterou o “compromisso” com a “integridade territorial” da Ucrânia.
O presidente dos EUA, Joe Biden, fez uma visita-surpresa a Kiev. “Estou hoje em Kiev para me encontrar com o presidente Zelenski e reafirmar nosso compromisso inabalável com a democracia, a soberania e a integridade territorial da Ucrânia”, disse o presidente dos EUA, em nota oficial da Casa Branca.
O que esperar da guerra em 2024, segundo Putin e Zelensky
Os presidentes da Rússia e da Ucrânia, Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky, estabeleceram recentemente suas prioridades para 2024 e apresentaram o balanço do conflito.
Zelensky atribuiu o fracasso da contraofensiva de verão (hemisfério norte, inverno no Brasil) à falta de munições e de superioridade aérea. “Precisamos de apoio, porque simplesmente não temos munições”, disse o presidente ucraniano, que não revelou mais detalhes sobre os planos de seu Exército para 2024.
Putin destacou que suas tropas estão “melhorando as posições em quase toda a linha de contato”. O presidente russo admitiu que os ucranianos conseguiram estabelecer uma cabeça de ponte na margem sul do rio Dnieper, mas afirmou que as tropas de Kiev estavam sendo “exterminadas” na área sob o fogo da artilharia de Moscou.
Putin, cuja reeleição em março é algo assegurado, também aposta na erosão do respaldo ocidental à Ucrânia, um tema que provoca divisões na Europa e nos Estados Unidos. Ele afirmou que o apoio político, diplomático, econômico e militar “poderia terminar” e, de fato, “parece que está acabando pouco a pouco”.
Zelensky declarou, no entanto, acreditar que a ajuda continuará sendo enviada e, em particular, que os Estados Unidos “não trairão” a Ucrânia. Diante da evidente falta de soldados na frente de batalha, de mais de mil quilômetros, Zelensky mencionou um plano do Exército que pretende convocar “entre 450 mil e 500 mil pessoas adicionais” em 2024, mas não revelou detalhes.
Para amenizar a falta de munições, ele também disse que o objetivo é produzir “um milhão de drones no próximo ano”.
Putin considerou que “não é necessária” uma nova convocação depois da realizada em setembro de 2022, que foi muito impopular. Segundo ele, o país conseguiu recrutar 486 mil voluntários para aumentar o número de soldados do Exército em 2023, um esforço que prosseguirá.
Também prometeu seguir reforçando as capacidades militares do Exército, em uma Rússia que tem a economia concentrada no esforço de guerra e que pode ter recebido grandes quantidades de munições da Coreia do Norte.