Apesar dos intensos bombardeios e funerais constantes, quase 90% da população do país acredita na vitória diante dos russos
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Quando a cidade de Kharkiv foi atingida por mísseis russos, há algumas semanas, os alunos e professores instalados nas novas salas subterrâneas não ouviram nada. Lá embaixo, em meio às estações de metrô amplas da era soviética, a Prefeitura montou uma série de espaços decorados, onde as crianças de seis e sete anos estavam tendo a primeira aula do ensino fundamental. “Os pequenos ficaram bem porque aqui embaixo não dá para ouvir as sirenes”, disse uma das docentes, Lyudmyla Demchenko, de 47 anos
Lynsey Addario/The New York Times – 13.02.2024
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Dez anos depois do início do conflito com os separatistas apoiados pelos russos, e dois depois da invasão ordenada por Moscou, os ucranianos estão exaustos, mas mais determinados do que nunca a rechaçar os intrusos. Não há família que não tenha sido afetada pela guerra que fez milhares de vítimas entre os civis, matou e feriu quase 200 mil soldados e transformou em refugiados e desalojados quase dez milhões em um país de 45 milhões. Entretanto, apesar das mortes, da destruição e das privações, a maioria continua otimista em relação ao futuro, chegando até a se descrever como feliz, segundo pesquisas independentes
Lynsey Addario/The New York Times – 09.02.2024
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Kharkiv é um bom exemplo. A apenas 40 km da fronteira com a Rússia, já sofreu bombardeios pesados, com direito a ataques de drones e mísseis. Grande parte das famílias fugiu no início da guerra ou viveu meses sob o solo, no metrô, enquanto as tropas inimigas se aproximavam para invadir – mas as defesas aguentaram o tranco, a população voltou e a cidade ganhou nova vida
Lynsey Addario/The New York Times – 15.02.2024
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Em dezembro, quando a investida russa voltou a se intensificar, praticamente todos ficaram. Kyryl Rohachov, de 22 anos, chegou a abrir um bar de coquetéis em uma das principais avenidas com um amigo de infância que hoje é quem gerencia a casa
Lynsey Addario/The New York Times – 15.02.2024
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Poucos dias antes da inauguração, em janeiro, uma chuva de mísseis destruiu prédios e quebrou janelas nas imediações. “Não é um momento muito propício, mas quero dar algo novo à minha querida Kharkiv”, admitiu Rohachov por chamada de vídeo da Suíça, onde trabalha em um restaurante e cuida da família e do irmão (eles ficaram órfãos)
Lynsey Addario/The New York Times – 09.02.2024
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Segundo uma pesquisa de opinião recente feita pelo Instituto Internacional de Sociologia de Kiev, a maioria maciça dos entrevistados – quase 90% – acredita na vitória da Ucrânia, contanto que o Ocidente mantenha seu apoio
Lynsey Addario/The New York Times – 15.02.2024
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Mais de 60% se consideram felizes, mesmo com boa parte afirmando ter perdido a renda e passado a sofrer problemas de saúde física e mental. Segundo Anton Hrushetsky, diretor da entidade, mais ou menos a mesma proporção afirmou ter perdido pelo menos um familiar ou amigo
Lynsey Addario/The New York Times – 18.02.2024
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“No geral, as pessoas restringiram a vida e reduziram as expectativas, e é isso que mantém o nível de satisfação alto. Entretanto, há também sinais pequenos, mas crescentes, de pessimismo. Em dezembro, 19% dos entrevistados se disseram dispostos a fazer concessões à Rússia para acabar com a guerra, o que representa um aumento de 10% em relação a maio do ano passado. Esse sentimento está diretamente ligado à redução do apoio ocidental. As pessoas estão percebendo a falta de suporte e os problemas políticos nos EUA e nos Estados europeus e acabam se tornando mais deprimidas, mais negativas.”
Lynsey Addario/The New York Times – 10.02.2024
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O fenômeno já é sentido nas fileiras do Exército, onde os comandantes reclamam da falta de munição e de gente, pois há menos homens se alistando. Alguns soldados disseram perceber que, quando entram em uma lanchonete ou restaurante de uniforme, o público em geral se afasta ou sai, temendo que eles sejam oficiais de recrutamento e estejam ali para entregar a ficha de alistamento
Lynsey Addario/The New York Times – 16.02.2024
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A perda e o luto geral são evidentes nos velórios e enterros constantes por todo o país e nos cemitérios militares, que não param de crescer. Não faz muito tempo, cerca de 300 pessoas se reuniram em Kamianske para se despedir de um soldado: todos os habitantes, jovens e velhos, se ajoelharam no chão gelado quando o caixão passou rumo ao cemitério
Lynsey Addario/The New York Times – 11.02.2024
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O sofrimento causado pela invasão russa também calejou a população de Kharkiv. Parte da província viveu sob uma ocupação brutal durante sete meses em 2022, e os bombardeios continuam; este mês, duas famílias, entre elas três crianças, foram queimadas vivas dentro de casa quando vários mísseis atingiram um depósito de combustível, incendiando uma fileira de residências nas imediações. “Cada míssil que disparam contra nós só faz aumentar a revolta geral. Todo mundo aqui odeia os russos no nível máximo. É difícil imaginar quando esse sentimento vai começar a amainar, porque por enquanto só faz crescer”, desabafou o principal investigador de polícia da província de Kharkiv, Serhii Bolvinov, que abriu milhares de processos criminais contra os russos por estupro, torturas e execuções sumárias, além das mortes e da perda de propriedade resultantes do bombardeamento
Lynsey Addario/The New York Times – 15.02.2024
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Anatolii Kozyr, de 72 anos, mostrou um vídeo, que salvou no celular, de sua fazenda e sua casa, a pouco menos de 130 km a leste de Kharkiv, ambas destruídas pelas investidas inimigas há um mês. “Levei a vida inteira para conquistar e organizar minhas coisas, e bastou um segundo para eles destruírem tudo. Perdi três mil toneladas de grãos, mil porcos, uma oficina e todo o maquinário. Não sobrou nada.” Hoje os russos se encontram a menos de quatro quilômetros do vilarejo onde mora, e ele tem pouca esperança de poder voltar para casa. “Eles estão avançando”, completou.
Lynsey Addario/The New York Times – 17.02.2024
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Para se acalmar, a dra. Maryna Prokopenko, cirurgiã de 28 anos do Hospital Regional de Kharkiv trabalha e, no tempo livre, pratica boxe para se livrar da raiva. Fugiu para a Polônia logo em seguida à invasão, mas voltou depois de um mês, com saudade. É especializada em otorrinolaringologia, e passa praticamente todo o tempo reconstruindo civis. “Procuro manter uma carga horária forte porque o trabalho também me ajuda a distrair. Ando muito ocupada, e isso me acalma e me sinto forte.”
Lynsey Addario/The New York Times – 13.02.2024
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Como muitos ucranianos, ela não vê a hora de a guerra acabar. “É terrível ver tantos feridos, tantos corpos destruídos, tantas deficiências físicas. Quero o fim disso.” Mas quando pergunto sobre a possibilidade de abrir mão de parte do território ou a cessão de Kharkiv ao controle russo em nome de um acordo de paz, ela rejeita a possibilidade imediatamente
Lynsey Addario/The New York Times – 11.02.2024
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Duas vizinhas suas, Raisa e Svitlana, ambas octogenárias, andando em meio à neve, também se mostraram pessimistas, criticando os líderes que colocaram o país em guerra. “Espero que deixem a ambição de lado e negociem. Zelenski vai ter de ceder; não tem como ganhar”, afirmou a segunda, que, como a outra, se identificou pelo primeiro nome para evitar recriminações
Lynsey Addario/The New York Times – 17.02.2024
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Segundo alguns analistas, as mudanças pró-democracia, efetuadas há tempos, facilitaram o processo de responsabilização do governo local e ajudaram a reforçar a resiliência ucraniana; além disso, o país conta com um grande número de líderes natos entre os comandantes e políticos
Lynsey Addario/The New York Times – 16.02.2024
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Mas um dos personagens mais queridos de Kharkiv é Serhii Zhadan, roqueiro punk, romancista e compositor de 50 anos que viaja pelo país para entreter os fãs e dar apoio aos soldados nas linhas de frente. Em 23 de fevereiro, fez um show intenso para homenagear um grupo de motoqueiros que consertam e entregam motos para as tropas. Vem registrando os dez anos de guerra com versos fortes, incluindo um poema comovente pela perda de um amigo de infância da província de Luhansk, no leste da Ucrânia, onde nasceu. Além disso, imortalizou com uma canção as crianças de Kharkiv, as mesmas que durante semanas no início da guerra viveram nas estações de metrô da cidade: “Crianças nervosas e alegres de porões de Kharkiv / Crianças que vivem nas profundezas do metrô”
Lynsey Addario/The New York Times – 17.02.2024
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