A sensação era de um calor para lá dos 35ºC quando as lideranças do samba voltaram a ocupar o sambódromo. É nos detalhes que moram a glória e o drama da apuração. Além das notas mais baixas normalmente descartadas, a harmonia será o quesito usado para um eventual desempate, mas a grande novidade da apuração de 2024 em São Paulo é uma voz. Eloise Matos, a Elô, vai substituir o lendário mestre Zulu, que durante 30 anos emprestou seu vozeirão para essa tarefa. Locutora de profissão e sambista por paixão, ela se diz honrada pelo convite. “Presenteada e feliz em fazer parte do carnaval sendo a voz feminina da apuração do carnaval no Brasil, né, porque é a primeira vez uma mulher narrando as notas do carnaval”, celebra. Cada nota lida era acompanhada com atenção. “Ligadinho, uma mão aqui, o ouvido lá”, diz um homem. Aos poucos foi aumentando a tensão e o fervor de quem espera a recompensa maior por tanto trabalho. “A gente acredita muito na nossa potencialidade de acordo com tudo que nós apresentamos na avenida”, diz Jorge Freitas, carnavalesco da Dragões da Real. A Mocidade Alegre queria o bicampeonato. Foi por ele que mais uma vez a presidenta da escola, Solange Bichara, rezou o tempo todo. “Uma ansiedade que a gente passa todo ano, mas não aprende a controlar, então ela volta e ela volta cada vez com mais intensidade”, diz ela. “A vitória vem da luta, a luta vem da força e a força [vem] da união”, diz Solange. E esta terça é dia de festa na quadra da Mocidade. Quem está lá desde o começo da apuração é a repórter Bruna Vieira. A Mocidade Alegre conseguiu manter o título de campeã na Morada do Samba. É exatamente assim que ela é conhecida, conquistou o carnaval de 2024, já tinha levado a vitória em 2023 e pode dizer agora que, além de bicampeã como o pessoal está gritando na quadra da escola, eles acumulam 12 títulos nos seus mais de 50 anos de fundação. Mocidade Alegre é bicampeã do carnaval de São Paulo — Foto: Jornal Nacional/Reprodução O troféu, que é o grande símbolo dessa vitória, conquistado lá no Sambódromo do Anhembi, está na quadra da escola trazendo mais alegria e animação para o povo que fez o carnaval deste ano. Um desfile muito elogiado por trazer elementos de brasilidade, retratar as viagens do poeta e escritor Mário de Andrade pelo país, começando a viagem por São Paulo, mas também passando por várias regiões desse Brasil — misturando samba, frevo e maracatu, ao som da Bateria Ritmo Puro. Mocidade mostra viagem de escritor modernista pelos rincões do país Para conquistar o bicampeonato do carnaval de São Paulo, a Mocidade Alegre embarcou pelo Brasil sob o olhar de um paulistano modernista. “Brasiléia Desvairada: a busca de Mário de Andrade por um país” retrata a expedição que o escritor fez há exatos 100 anos pelos rincões brasileiros. Na comissão de frente, coube ao ator Pascoal da Conceição, que interpreta Mário de Andrade há mais de 30 anos, conduzir a viagem, partindo de locomotiva do Centro de São Paulo. A primeira parada foi em Minas Gerais. A Mocidade Alegre vestiu suas baianas de pedra-sabão para homenagear Aleijadinho, o maior nome do barroco brasileiro. A expedição de Mário de Andrade foi também ao Norte do país. A escola retratou os mistérios e histórias da região amazônica, com os encantos e a sabedoria dos povos indígenas. As alas ajudaram a retratar importantes manifestações culturais como a congada, o carimbó, o catimbó e o carnaval do Recife. A ex-BBB Thelma Assis foi um dos destaques da escola, que desfilou com 2,5 mil componentes. A bateria do mestre sombra trouxe toques do frevo e do maracatu. A viagem da Mocidade Alegre terminou em Pirapora do Bom Jesus, cidade do interior paulista considerada o berço do samba no estado.